segunda-feira, 22 de agosto de 2016

100%... o quê mesmo?

... ou nada mais que um menino...

E ele conseguiu entrar pra história. Após a defesa de Weverton na última cobrança da seleção alemã, Neymar converteu o último pênalti brasileiro e um tabu finalmente chegou ao fim. Pela primeira vez em toda a sua história, o futebol brasileiro finalmente conquistou o título que lhe faltava, após bater na trave diversas vezes com esquadras compostas por jogadores memoráveis, entre elas alguns que conseguiram Copas do Mundo. Agora temos uma medalha de ouro em nosso invejável currículo futebolístico.
Foi uma conquista que se fazia necessária por muitos motivos. Entre eles, o incômodo 7 a 1 em terras brazucas, que ainda não foi assimilado. E que não sabemos ao certo se mesmo depois dessa medalha ainda será. O fato é que toda a enxurrada de críticas feitas ao grupo comandado por Rogério Micale (principalmente depois do inacreditável empate com o Iraque) surtiu efeito. As inevitáveis comparações das performances com a seleção feminina foram também determinantes, não temos dúvidas. Principalmente por causa do meme viralizado duma camisa da selenike onde o menino teria riscado o nome do 10 masculino e escrito o da 10 feminina (Marta), deixando claro quem era digna de menção.
Enfim, uma conquista prenhe de significados.
Porém, como se não bastassem os aspectos esportivos intrínsecos, eis que mais uma vez Neymar se envolve numa nova polêmica. E nem estamos falando da faixa "100% Jesus" que ele pôs após o triunfo, que estão tentando transformar num espetáculo que está muito além de qualquer tipo de regulamento proibitivo em relações a manifestações extraesportivas como as de cunho religioso ou ideológico. Desta vez, ele se dirigiu a alguma pessoa que estava na platéia e desfilou impropérios porque teria sido achincalhado no momento em que se preparava para cobrar a falta, pondo a bola na gaveta, segundo informações colhidas em diversos sites. A reação do futebolista dividiu opiniões: de um lado, pessoas que defenderam que ele deveria "ter coberto a mulher ou o homem de sopapos"; de outro, gente que enxergou "mais um estrelismo exagerado de quem não aceita críticas".
Sob a luz de pontos, vamos aos fatos!
Quando surgiu em 2010 com um futebol envolvente e digno de um craque, Neymar, então um garoto de 17 anos, era mais um caso de um garoto que surgia na Vila Belmiro com sinais de que um novo Pelé estava surgindo. Ao lado dele, Paulo Henrique Ganso, outra promissora joia. Estória similar à que foi contada quando Robinho e Diego apareceram com idade adolescente. "Os meninos da Vila".

E o engraçado é que as duplas têm uma trajetória muito parecida, pois assim como Diego (que se machucou na final do Brasileiro de 2002, possibilitando a aparição de Robinho neste mesmo jogo), PH Ganso teve uma contusão gravíssima no auge e Neymar seguiu protagonizando. E os dois 10 eram apontados como as promessas de craque, inclusive de serem o 10 que há anos o Brasil perseguia para a seleção. Infelizmente não deu, embora eles ainda tenham sido convocados. (Talvez a diferença seja que Diego se recuperou mais rápido, foi pro Exterior e conseguiu jogar bem e em alto nível, ao contrário de Ganso, que não conseguiu a exuberância inicial e patinou em oscilações no Santos e no São Paulo.)

Mas o fato é que, como o ocaso de PH Ganso, os holofotes caíram em cima de Neymar. Tomaram logo conta do "menino". As atuações dele continuaram sendo de muito bom nível, porém como sempre acontece quando se elege uma celebridade para se chamar de sua, uma hiperexposição aconteceu em torno de sua imagem e isso começou a extrapolar o aspecto esportivo.  E as primeiras "polêmicas" em torno de seu comportamento começaram. Renê Simões foi o primeiro a alertar os técnicos brasileiros nesse sentido: "Estão criando um monstro!". Outros analistas esportivos haviam também comentado que toda essa mídia em cima desse menino seria a sua maldição. Isso porque, para além de suas características técnicas, se tratava de um jovem ainda em fase de crescimento como jogador e, principalmente, como ser humano.
O que todos sempre deixam claro nas análises é que Neymar tem todo o perfil dum atacante extraclasse: técnica apurada, habilidade inconteste e poder de conclusão. Potencial ídolo, com tudo para ser aquilo que foram Romário e Ronaldo (apenas para ficar nestes exemplos) em termos de Brasil e mundo. Ainda está longe deles, porém com totais condições de chegar lá. Sem nenhum exagero de nossa parte, julgamos ser possível que alguém possa se consagrar tendo mais idade, em verdade é como geralmente acontece. Basta lembrar exemplos de jogadores que são freqüentemente lembrados, mas que sua excelência foi melhor percebida depois de atingida a maturidade (pra ficar num exemplo que pouca gente comenta, Evair foi esse caso).
Porém e infelizmente, não houve esse cuidado no trato da jóia santista, hoje no Barcelona, enquanto ainda estava por aqui. Ao contrário, a mídia (em especial seu mais poderoso braço, a globbels), se apropriou de seu corpo e sua alma e agora faz o que quer. E graças a essa falta de preparo com um garoto que se descobre o centro das atenções e começa a ganhar grana e fama, ele mesmo também acabou se deixando levar por isso, aceitando a condição de mero produto mercadológico, para além dos trocados ganhos com propagandas e merchandising.
Não é de se estranhar a quantidade de programas daquela emissora em que ele já se apresentou, até em novelas o cara atuou. "Ah, mas Zico e outros apareciam na TV e ninguém criticava!", lembrarão os defensores do cidadão, esquecendo-se, entretanto, que eles eram jogadores de futebol que apareciam na TV e não celebridades midiáticas que jogavam muita bola. Essa é a diferença. Entendemos que o conceito de mídia e celebridade mudou muito nesses últimos anos, porém não cremos que o suficiente para que não se possa separar o astro em campo do famoso na tela...
E ao aceitar o papel de mero produto, Neymar se tornou Neymarketing. O que aumentou consideravelmente o número de pessoas ganhando muito à custa da imagem dele, e não só em termos financeiros diretamente. Está além até mesmo de sua trajetória no próprio Barcelona. As mulheres com quem já teve caso, os cortes de cabelo, seus fones de ouvido, seu gosto musical, suas propagandas, tudo isso passou a ser mais relevante que suas jogadas. E quando isso acontece, a menos que o elemento tenha muita bola, o começo do fim duma carreira é certo, haja vista a efemeridade desse tipo de condição. Ainda bem que o pai, com tudo que se possa questionar dele, tomou conta da carreira do filho. Querendo ou não, na mão de empresários (um câncer real na realidade de nosso futebol), ele talvez já tivesse sucumbido bem antes.
E nós francamente acreditamos muito que o camisa dez da selenike não se resume a algo tão menor quanto esse papel. Ele é o tipo de jogador em falta no futebol e ultimamente percebe-se certa tenência técnica em seu modo de jogar - certamente o Barça deu-lhe isto através de seus companheiros de equipe e é certo que Tite também terá fundamental papel nisto. Alem do quê, as conquistas em solo europeu, tendo sido protagonista na reta final da Champions League 2014/15, também renderam elogios similares aos que recebeu ainda no Brasil, tendo ganhado títulos no Santos. Tudo isso somado e temos um jogador com um currículo invejável em termos de conquistas, isso aos 24 anos.
Alguns pachecos acreditam que o ex-santista é quem deveria ensinar alguma coisa, porém sempre retrucamos que deve ser uma via de mão dupla: o mais habilidoso abrindo caminho para outros que tenham aptidão e os outros que tenham "disciplina tática" e sobretudo experiência, sinalizando a melhor forma de se chegar ao gol. Qual o problema de ensinar e aprender? Até Pelé, que nasceu pro futebol, ao menos deve ter aprendido com alguém a bater um lateral...
Então é isso. Pensamos ser possível "salvar" Neymar dessa sina terrível de ser Neymarketing. Se alguém conseguir convencê-lo de que ele não precisa de mídia e sim de gols já será um bom começo. Todavia, mais complicado que isto, será afastar dele as influências nefastas que ficam circundando-o todos os dias e a toda hora, inflando seu ego, bajulando seu espírito e subtraindo sua grana. Até porque é preciso que se entenda: ele é apenas um, não salvará a lavoura sozinho, e nem pra sempre. É um milagre (e que bom!) que um jogador como ele ainda não tenha tido uma contusão muito grave, nesses tempos de futebol brucutu, onde a força está sobrepujando a ginga, num claro sinal de "europeização técnica", pra além da tática.
Outra coisa: pôr tudo na conta e nas costas dele não é a solução, embora seu comportamento nos induza a realmente fazer isto. Pois por mais que se possa ter boa vontade em querer vê-lo brilhar, se ele próprio não quiser se livrar desse estereótipo de "menino mimado e idiotado que pode tudo porque é craque", será difícil. Sim, esse excesso de mimo em cima também é frequentemente esquecido na análise. É justamente por conta dessa bajulação intermitente que seu destempero soa explicitamente infantil. Sua reação raivosa mencionada no início de nosso artigo foi mais uma mostra de que outros mais expertos teriam sido mais espertos. Neymar deveria ter ficado quieto ante as ofensas? Nem tanto, tem horas que é impossível ser calmo... Mas é fato que faltou malandragem para lidar com a situação. Ele acabou vítima de sua própria imaturidade. Resultado: a globbels, que já o tomou pra si através de seu lacaio esportivo (Galvão Bueno, o mesmo que escrachou a selenike com virulência depois do empate com o Iraque), vai constrangê-lo com algum programa chorumesco e ele será "obrigado" a pedir desculpas... Ora prezados, pensem bem, Romário já caiu nesse ridículo? E Renato Gaúcho? Pois é.
Pra fechar. Não vemos a princípio problema na faixa "100% Jesus" que ele usa (ou ostenta). O problema é quando a humildade e a sabedoria que o galileu deixou como legado de sua trajetória neste planeta passam longe...
Abraços fraternos e excelente semana a todos!


Um comentário:

Unknown disse...

Camarada Sanctusviana; Ao meu ver, Neymar tem bola para entrar para história como um grande jogador. A imagem dele está sendo usada para gerar dinheiro, tanto para ele quanto para outros. E, com isso, tudo de ruim também aparece, como falcatruas financeiras e esportivas. Ele sempre será posto em dúvida, seja para vender jornal, seja por questões futebolísticas verdadeiras. Soma-se ao fato de ele pertencer a uma geração muito decadente em relação a anterior em diversos os aspectos. Para além do futebol, vivemos uma geração de decadência muito acentuada em diversas áreas do conhecimento, assim como moral e ética. Se por um lado há um grupo grande (levantemos as mãos aos céus) de progressistas, há também uma turba com posições que já deveriam estar apodrecidas, mas que vêm sendo requentada como soluções de nossas contradições. Então na política vemos o sucesso de bolsonaros e cunhas, no futebol endeusamento a um bom jogador, mas mimado como o Neymar, no direito de decadência intelectual, na polícia os monstros que acham que nos protegem e por aí vai.... O Neymarketing é só um sintoma mais amplificado, dado o tamanho de seu sucesso futebol. Mas aí o mito cai quando estoura a imagem de rancor com uma faixa (100% Jesus). Bom, ontem estreou uma campanha publicitária que explora sua imagem como bad boy. Talvez tenha sido até armado. Bom, eu acho a figura dele falsa, perdida entre se mostrar bom menino e bad boy, um bom exemplo da média do que vejo no mundo.