segunda-feira, 27 de março de 2017

povo enlatado, povo feliz


"vamos cuidar das pessoas"

Falaê galera!
Novamente estamos aqui com nossas palavras ácidas e bem-humoradas, desta vez para dissertar sobre um problema que tem causado muito ruído, porém que segue silenciado por não ter o tratamento adequado pra causar impacto.
Aconteceu nos primeiros minutos de ontem, domingo 26 de março.
Tínhamos acabado de chegar de mais um evento popular na CEB Santa Veridiana (por sinal, qualquer hora dessas, falaremos sobre esse espaço vivo de cultura, onde costumava haver muita coisa bacana). Descemos do BRT Transoeste e nos encaminhamos para o ponto da Transcarioca a fim de retornar ao lar.
Na chegada ao local, a primeira constatação foi a de sempre: quatro filas muito grandes, todos à espera do ônibus articulado que seguiria para a Ilha do Fundão no modo parador. Indagamos a um popular sobre a demora do coletivo apenas para nos certificarmos de que o cenário não mudara desde a última vez em que estivemos no terminal Alvorada em janeiro: já tinha pelo menos meia-hora que nada acontecia naquele local.
Passou-se mais meia hora aproximadamente e a fila duplicou de tamanho. Até que o articulado comum chegou (comum, porque tem um modelo estendido desse articulado, cerca de 10 metros a mais). Assim que as quatro portas se abriram, fomos praticamente empurrados pra dentro do veículo que em poucos segundos lotou completamente. Com muito custo, as portas foram fechadas, porém já sabíamos que não seria mais assim porque sendo parador e tendo demorado tanto para passar, imaginamos como as pessoas conseguiriam entrar nas demais estações e depois como conseguiriam sair.
O fato é que ao passar da estação Rio 2, acabamos cochilando, cansados do evento em Santa Cruz. Acordamos já passando da estação do Ipase, faltando pouco pra saltarmos. Passaram-se uns vinte minutos talvez no cochilo, mas foi o suficiente para observarmos que seria impossível passar pelas pessoas sem empurrá-las. Uma mulher ao nosso lado também saltaria, mas antes de minha na Capitão Menezes. Interessante que ela não esboçou reação de saltar, talvez subestimando as pessoas em pé, não sabemos.
Quando o ônibus chegou à Praça Seca, a mulher mal se levantou direito. E acabou não se mexendo. Alguns passageiros ficaram irados. Ainda teve quem gritasse "vai descer!", mas de forma inútil, pois os motoristas do BRT não costumam dar maior atenção, ainda mais em caso de superlotação. Eles nem ouvem, em verdade...
Tivemos de avisar à mulher que se ela não forçasse passagem pararia no Fundão. Ela ficou com aquela cara de quem toma remédio "com gosto ruim" e nem se mexeu. Resultado: nem nós nem ela, pois ela não saltou na Capitão Menezes e nós não saltamos na Pinto Teles. Mais uma mulher e outro homem esbravejaram muito por não terem saltado também e a mulher continuou como quem não acredita naquilo. Tememos que irrompesse uma confusão no ônibus, que circulava com as portas todas abertas já que não havia como fechá-las.
Quando o ônibus chegou ao Campinho, o que já sabíamos aconteceu. Já tinha gente reclamando horrores do BRT. E aí não teve jeito: aos trambolhões, mulheres e homens foram passando como tratores, no desespero de saltar antes de o ônibus sair - sem ter como fechar as portas, poderia sair a qualquer momento. Foi nesse lance que conseguimos sair. Fomos os últimos e quase caindo no vão entre a plataforma e o coletivo, pois sentimos que ele estava arrancando enquanto pisávamos na estação. Aquela mulher que citamos foi praticamente expulsa aos empurrões e aos palavrões sem calão algum, sendo jogada quase de encontro à antepara e quase foi linchada e pisada pelos mais exaltados que não saltaram na Capitão Menezes e na Pinto Teles. Felizmente, a turma foi saindo da estação sem espancar a pobre senhora, porém as reclamações não tiveram fim.
Passado todo esse sufoco, passou um articulado indo pra Alvorada logo que o outro saiu pro Fundão e o tomamos pra nossa estação. Eram duas da matina quando finalmente chegamos onde queríamos.
Tudo isto que relatamos não soará como novidade para quem está habituado a tomar os ônibus do BRT aos fins-de-semana, em especial na transição de sábado para domingo. Sempre é assim: quando o relógio marca meia-noite, vários articulados param e o intervalo entre carros da Transcarioca varia de meia-hora a 45 minutos. Já os da Transoeste aparentemente têm um intervalo menor.
A quantidade de pessoas que fica esperando é tamanha que lotaria dois articulados. Tanto que observamos que muita gente não conseguiu entrar naquele ônibus e teria de esperar mais uma hora pra poder seguir viagem.
Observamos também que havia muita criança de colo no ônibus em que estávamos. E que no meio daquele tumulto no Campinho uma mulher desceu com uma menina. Ela só saiu ilesa porque ela já estava perto da porta. Ou seja, embarcou naquelas condições, sem ter como chegar a uma cadeira e foi certamente amparada por quem estava na porta. Olha o perigo que ela passou com a petiz! E se a confusão gerada pela mulher que comentamos fosse naquela porta onde a jovem mãe estava?...
Dessa vez não aconteceu, contudo quando estivemos certa ocasião numa situação dessa na Alvorada, teve tumulto e foram uns 10 ou 15 no Controle do BRT a fim de reclamar da falta de ônibus. Na gare, havia dezenas desses articulados parados, sem nenhum sinal de que seriam utilizados. E quando o ônibus finalmente chegou, o tumulto foi exatamente o mesmo.


E o que dizer de tudo isto?
Bom, pra começo de conversa... Por que não temos mais as opções de transporte quando o relógio marca 23 horas? Sim prezados e prezadas, algumas linhas de ônibus começam a minguar antes da meia-noite. Que tipo de estudo foi feito pela Prefeitura ou pela RioÔnibus, onde se constatou que não há necessidade de ônibus quando meia-noite se aproxima? Ou ninguém usa ônibus à noite ou de madrugada?
E o que é pior: nos bairros cortados pelo BRT, 97% das linhas que circulavam foram cortadas e as vans e kombis impedidas de trafegar. Portanto, para quem mora nas regiões abrangidas pelo corredor, só há o BRT praticamente. Porém depois da meia-noite, há um corte drástico na quantidade de veículos – e já está comprovado que muitas pessoas utilizam os coletivos, tanto quanto durante o dia, talvez até mais, porque as pessoas querem aproveitar o fim-de-semana para seu merecido lazer seja na casa de parentes, em parques públicos ou em bairros onde tem discotecas, boates e outros.
É quase certo que o cartel de Jacobarata alegará que é por questões de segurança, a violência urbana, etc. Pode até ser, porém atentamos para o fato de que distúrbios como esses não têm mais hora pra começar. Vandalismos nas estações do BRT, por exemplo, se tiverem de acontecer, acontecem a qualquer hora. Assim como assaltos dentro de ônibus (uma triste e dura realidade que tem aumentado muito na capital e Grande Rio). Já foi o tempo em que havia "horários perigosos", isso já é fava contada há tempos.
Observem como o famoso direito de ir e vir é vilipendiado. Ônibus só serve para atender a necessidade de trabalhadores que laboram no horário comercial (nem pra estudar serve mais, o cartão dos estudantes o tempo todo tem problemas...). Ou seja, vida noturna e trabalhos à noite e pela madrugada foram proibidos na cidade e ninguém sabia...
O que na verdade acontece é que há uma criminosa conivência entre o poder público e o cartel dos ônibus no Rio. Segundo dados da própria Fetranspor, são cerca de 5 milhões de passagens vendidas por dia, gerando uma receita de 19 milhões de reais. Multiplicando no mês e no ano, as cifras batem a casa dos bilhões.
Além disso, a profissão de cobrador está praticamente extinta na cidade, uma linha ou outra ainda mantém esse profissional. Isso significa menos trabalhadores para manter, menos custos, encargos, impostos, e mais dinheiro no bolso dos mandatários dos ônibus.
Todavia nada disto se tornou algo relevante para a mobilidade urbana como um todo, nem para a própria prestação do serviço. Ao contrário, houve pioras:

1.    Não há mais agilidade na condução dos coletivos, já que o motorista faz função dupla, tendo de dar troco e dirigir. E tal fato fez com que o número de motoristas afastados mais que duplicasse nos últimos 5 anos, seja por conta de acidentes no trânsito, seja por falta de condições emocionais/psicológicas pelo stress gerado diariamente.

2.    Com essas mudanças por conta não apenas dos corredores do BRT como também com a implantação do VLT na zona central do Rio, diversas linhas ou foram abolidas ou muito modificadas, por causa do impacto no trânsito naquela região, causando confusão por um bom tempo até que as coisas se ajeitassem satisfatoriamente – o que ainda não aconteceu.

3.    E no caso especial dos BRTs, ainda tem a questão das tais "linhas alimentadoras", que em determinados locais mais matam de fome por conta duma espera interminável, mesmo durante o dia.

Fora tudo isto, ainda há outros aspectos como a falta de climatização de TODA A FROTA de ônibus da cidade, uma promessa de campanha do ex-alcaide que já foi cobrada mesmo pelo Ministério Público. Esse ano 100% do efetivo deveria estar refrigerado, porém não é o que observamos e não nos parece que Jacobarata e seus blue caps estão querendo se mexer quanto a isso. Lembrando que o valor de R$ 3,80 foi definido com o objetivo de se proceder à aquisição de ônibus climatizados, porém ainda há linhas que NUNCA tiveram carros com esse equipamento.
Portanto, o que relatamos na Terminal Alvorada é também reflexo da própria maneira como a concessão pública de linhas de ônibus é explorada (não se esqueçam: linha de ônibus é concessão pública como as autonomias de táxi). O cartel RioÔnibus é ainda pior que os de Cali e Medellín, na Colômbia, porque trata-se de algo legalizado, porém pessimamente gerido e sem qualquer tipo de fiscalização mais rigorosa.
O curioso é que soubemos à boca pequena que as empresas de ônibus estão recrutando motoristas, pois esse profissional estaria "em falta no mercado". Ora, e quanto aos muitos demitidos ao fim da função de cobrador (de quem era exigida a habilitação D), não poderiam ser reaproveitados?
E no caso do BRT, se o problema é a falta de motoristas com CNH E, por que não se capacita os que já dirigem ônibus a fim de que eles tenham carta pra condução dos articulados? Ah, é verdade, chama-se investimento, e investimento demanda dinheiro, e dinheiro é tudo que esses malditos querem usar, pra não faltar pros iates, mansões e heranças deste império...
Pois esses são os fatos, meus amigos. O problema da mobilidade urbana foi exposto aqui neste artigo e sabemos que tipo de solução deve ser aplicada. Porém se o Poder Público não pressionar o cartel, nada será resolvido. Mesmo o Ministério Público tem de ser acionado o tempo todo por nós, usuários desse modal que é um dos mais caros do país em termos de funcionalidade e custo-benefício. Se houve avanços como o bilhete único, os problemas estruturais seguem a todo vapor. De nada adianta facilitar pra população com esses bilhetes e o modal permanecer defasado.
Por fim, ou muda-se esse cenário horroroso ou seremos condenados a essa sensação de estar como sardinha enlatada. Não é nada sensato esperar um óbito pra que se tome uma providência. E no caso que contamos, nada garante que a próxima vez não acabará de forma trágica. Pois nós QUASE caímos do ônibus e a mulher QUASE foi espancada. E se a próxima jovem mãe vir seu bebê cair entre o ônibus e a plataforma e ninguém conseguir segurar o motorista, faz como? Culpar a RioÔnibus? Espancar o alcaide atual? Pois é, mas nada disso trará a integridade física dos passageiros de volta. Afinal, em se tratando de seres humanos, perda alguma é passageira...


EPÍLOGO

Algumas pessoas na estação do Campinho comentaram sobre a falta de educação de alguns que ficaram nas portas travando-as, com o ônibus em movimento. Disseram que "apesar de a prefeitura ter culpa, vandalismo também não resolve, povo sem educação é isso aí".
É evidente que não somos fãs de quebra-quebra de estações ou de ônibus. Em verdade, é gol contra. Por outro lado, ponderamos o seguinte: será que essa mesma pessoa que critica nunca imaginou que essas atitudes, neste caso em especial que descrevemos, estão bem mais para conseqüência que pra causa? Pra ser mais claro: diante desse quadro caótico no BRT Transcarioca que se estende há ANOS na Alvorada, como a RioÔnibus responde a fim de mitigar esse grave problema?
Ora, é muito mais fácil pr'aquela pessoa que fez aquele comentário dizer que o povo é que não tem educação. "Porta aberta à força no BRT" é algo que não deixa dúvidas sobre o que pensar. Só que esse tipo de reação, a nosso juízo, só expõe a derme, e não a víscera. Trouxe-nos a impressão de que a porta escancarada é muito mais grave que não ter ônibus, quando na verdade uma coisa se torna conseqüência direta da outra. Por que o cidadão não praguejou contra Jacobarata e afins? Perguntamos a ele e não tivemos resposta, exceto um silêncio indiferente.
Nossa reflexão final é assim: em vez de somente apedrejarmos quem quebra ônibus e estações, não seria hora de metralhar aqueles que se utilizam de uma concessão pública para faturar em cima, pessoas que são diretamente responsáveis por essa situação de trevas que enfrentamos todos os dias na cidade, não importa se no BRT ou em coletivos comuns? Pois a jovem mãe e sua filha que vimos na estação não têm que passar um sufoco como aquele. Nem ela nem ninguém!
Convidamos leitoras e leitores para pensar nisto.


Um comentário:

Raphael disse...

Vivemos um tempo em que o revanchismo e o rancor imperam. Só que a causa básica é esquecida...
melhor pra eles, que seja o povo contra o povo...
toda vez que vejo alguém falando da má educação da população nos transportes públicos penso: a causa básica é que o atendimento é subdimensionado, logo não atende a demanda... vira salve-se quem puder... é na base da grosseria...
evidente que temos os casos de falta de gentileza, mas percebemos, como usuário de transporte público, que a gentileza existe (pessoas continuam dando seu lugar, oferecendo para segurar mochilas e bolsas, etc)
que bom que nosso redator não se machucou