segunda-feira, 15 de maio de 2017

álcool na ferida

Escolha seu inimigo

Fala moçada!
Depois de muito ler e ouvir as redes sociais após o dia marcante da semana que passou (quando houve o duelo Moro x Lula, em Curitiba), resolvemos mais uma vez ceder nosso espaço a um debate que consideramos pertinente e essencial para compreendermos certas noções.
O motivo de escolher o texto abaixo foi por conta duma resposta a uma postagem dum amigo nosso que quase nos fez cair da cadeira. Esse nosso camarada pôs em destaque na sua timeline a famosa frase do dramaturgo alemão Bertolt Brecht que diz que "a cadela do fascismo sempre está no cio". Pois bem, amigas e amigos: em vez de simplesmente comentar essa idéia que a cada dia é mais atual e clara no Brasil, uma amiga de nosso amigo preferiu criticar aspectos totalmente fora do contexto do conceito: "Essa frase é machista". Isso mesmo: "Essa frase é machista".
Não quisemos acreditar que nada há de melhor pra se comentar acerca duma uma frase que traduz bem um país em chamas depois do golpe, a um passo da aniquilação total de tudo que foi construído em pouco mais de uma década. O Brasil quase sendo destruído, um ex-presidente sendo perseguido implacavelmente pelos inimigos do Brasil porque eles sabem que as chances de retorno são enormes (e com ele o papo é outro), e a preocupação maior de algumas pessoas é que usar a palavra "cadela" numa frase soa machista.
Diante de algo que definitivamente não é sério, ficamos aqui pensando em responder a isto, até que tivemos acesso a esse texto escrito por Rodrigo Perez Oliveira, que praticamente traduziu nossa ojeriza à tamanha falta de bom senso do elemento em questão. Porque há outras questões embutidas, como certas declarações que estão sendo feitas por diversas pessoas de forma totalmente infeliz ou equivocada e que não nos parecem ter sentido ou significado na atual conjuntura. Gente que deveria ter um senso crítico mais apurado, que já deu contribuições interessantes ao debate, mas que agora parecem fazer o jogo do inimigo, perdendo tempo com bobagens similares ao "machismo de Bertolt Brecht". Pontualidades que apenas abastecem os malditos inimigos do Brasil de argumentos e que ajudam a cristalizar na mente de milhões de brasileiros sem nenhuma noção dos fatos as noções mais absurdas sobre assuntos que têm de ser levados a sério (como a própria questão do machismo). Condenando inclusive todo um movimento, toda uma luta diária, o que é injusto demais com as causas, já que a péssima colocação de certas pessoas não pode ser justificativa pra se invalidar tais lutas e tais causas.
Sendo assim, deixamos para leitores e leitoras as considerações acerca do assunto. E mais uma vez agradecemos ao companheiro Rodrigo pela gentileza em nos deixar publicar suas impressões para que possamos debatê-las, seguindo o espírito de nosso blog.
Nossa conclusão se resumirá na famosa frase atribuída a Tom Jobim: "O Brasil não é pra principiantes". Ainda bem que Jobim (se é que foi ele) usou a palavra "principiante", que é um substantivo comum-de-dois-gêneros, assim não tem como acusar o falecido de algum provável "equívoco identitário"...

Obs.: Avisamos que esse texto tem uma pegada totalmente diferente da nossa (e ainda estamos refletindo muito sobre isto, por ser válida), e que por isso mesmo julgamos ser importante para podermos entender melhor o que de fato estamos combatendo e, principalmente, se estamos do lado certo da trincheira mesmo. Não dá pra pagar pra ver e depois lamentar o segundo colocado nas intenções de voto (o que chamam de "mito") tomar posse em 2019 por causa dum palanque deserto de objetividade.


ÁLCOOL NA FERIDA
Rodrigo Perez Oliveira*


Juro pra vocês, meus amigos, do fundo do coração: respeito mais os coxinhas que apóiam Sérgio Moro do que os esquerdetes que são feitos do mesmo barro que Laura Carvalho, Luciana Genro e Gregório Duvivier. É que em pelo menos num aspecto os coxinhas são melhores que os esquerdetes: na capacidade de entender a realidade, de ler o mundo. Eles entenderam a história recente do Brasil melhor que os esquerdetes. Explico.
Os coxinhas têm motivos de sobra pra odiarem Lula, pra quererem vê-lo morto. Eles entenderam perfeitamente o que aconteceu no Brasil nos últimos anos.
Os coxinhas olham para Lula e enxergam o que ele realmente é: um nordestino lenhado, fudido, sem ensino superior, que ousou ser Presidente na República fundada pelos bacharéis.
Os coxinhas sabem, perfeitamente, que foi no governo de Lula que o Bolsa-Família foi instituído. Sabem que o Bolsa-Família inflacionou o preço da diarista. Óbvio, né? Se em casa, de boas, sem fazer nada, a companheira já tem o mínimo pra comer, ela só vai sair pra limpar a privada da madame por um preço justo. Tá mais que certa!
Os coxinhas não são burros, ah não são mesmo! Eles entenderam que com Lula o Brasil mudou. Vocês lembram daquele filme da Jéssica [Que horas ela volta?] ? Então, lá pelas tantas, a madame paulista olha pra filha da empregada e diz: "Nossa, você quer fazer arquitetura? Esse país mudou mesmo." Os coxinhas sabem, meus amigos, sabem que o Brasil mudou, e mudou muito.
Os coxinhas sabem que foi no governo de Lula que o sistema de cotas se consolidou nas universidades brasileiras. Eles sabem como está mais difícil conseguir aquela vaguinha na medicina ou no direito. Eles viram o filho do porteiro entrando pra universidade.
Sim, meus amigos, é muito difícil reconhecer, mas os coxinhas sabem perfeitamente o que estão fazendo.
Já os esquerdetes, ah os esquerdetes, esses são os piores!
Qual é a envergadura política de um Gregório Duvivier para dizer que Lula não transformou a realidade brasileira? Ele precisou de cotas pra estudar na PUC? O apê do papai dele lá na Gávea foi financiado no Minha Casa Minha Vida?
E Luciana Genro? De onde vem a autoridade política dela? O que ela representa? Já governou o quê?
E Laura Carvalho, vem de onde? Quais cargos já ocupou? Ela já foi Ministra da Fazenda? Já comandou o Banco Central? Já sentou numa mesa pra negociar com a FENABAN? "Googlem" aí, amigos, e vejam o que é a FENABAN. Vejam o tamanho do problema que os governos petistas enfrentaram.
Diferente dos coxinhas, meus amigos, os esquerdetes não sabem de nada, de nadica. Eles nunca fizeram nada. Não têm compromisso com legados. Não entenderam porra nenhuma.
Os esquerdetes são incapazes de perceberem a realidade tal como ela é. Acham que a realidade se curva ao discurso, se curva ao desejo.
Quando Duvivier diz que "a esquerda precisa superar Lula", ele sugere que algum outro cândido progressista irá conseguir tocar no eleitor que mora lá no interior do Piauí. Ele acha que as esquerdas devem produzir outra liderança, provavelmente um culturete leite com pêra, nascido e criado no sul do Brasil. Quem sabe até mesmo um carioca, um freqüentador lá da Praça São Salvador. Um poeta independente, vestindo camisa com estampa de florzinha. Desses tipos "fluidz", desconstruídos, que um dia gostam de ppks e no outro namoram pelo bumbum. Isso, um cara desse tipo, que escreve "queridxs", ou "amig@s".
Já pensaram, meus amigos, o material da campanha circulando lá no sertão do Ceará? "Brasileirxs, vamos construir juntos um país melhor!". O sertanejo semialfabetizado olhando pra esse X encravado no meio da palavra e pensando "Que porra é essa? Deu defeito no computador?".
Já pensaram no sertanejo com esse santinho na mão? Um santinho cheio dos empoderamentos, dos "gaslighting" e dos "mansplaining"?
Já pensaram um culturete como candidado à Presidência da República propondo discussão sobre nome social? Prometendo construção de banheiro pra travesti?
Já pensaram essas pautas postas como agenda eleitoral em um país que periga voltar para o mapa da fome?
Quem sabe Duvivier esteja pensando nele mesmo, no seu próprio nome... Aliás... já pensaram Duvivier como candidato? Falando pras massas? Luciano Huck está fazendo escola!
Os esquerdetes não se enxergam, não entenderam como as coisas funcionam por aqui.
Lula levou vinte anos pra conquistar a confiança da nossa gente: nosso povo não votou em Lula em 1989, não votou em 1994, não votou em 1998 e não votou em 2002. Nosso povo somente começou a votar em Lula em 2006, quando viu a promessa virar realidade, a utopia virar pão e farinha na mesa. Somente em 2006 aconteceu uma clara divisão classista na contagem final dos votos: os mais fudidos com Lula, o resto com o outro.
O povo não gosta de utopia, não tem tempo pra utopia. O povo quer presença, quer materialidade, quer comida na mesa, quer casa pra morar. O povo quer consumir. E tá certíssimo!
Os playboys de esquerda não conseguem entender o óbvio: o povo brasileiro está convencido de que somente Lula é capaz de liderar um governo que permita uma "vidinha digna" para os mais pobres.
Esse é o termo: vidinha digna. Nosso povo só quer uma vidinha digna.
O nosso povo não gosta da esquerda, não gosta de revolução, não gosta nem de greve. Nosso povo gosta do Lula.
Por isso, Lula ainda vive.
Por isso, depois do maior massacre midiático da história desse país, Lula pode entrar no tribunal, falar grosso com o juiz e sair andando, abraçado pelo povo.
Lula cagou na cabeça de Sérgio Moro. Os coxinhas sabem disso. Os esquerdetes não sabem.
Conclusão: os coxinhas são mais inteligentes que os esquerdetes.


* Rodrigo Perez Oliveira é doutor em história social pela UFRJ e professor adjunto de teoria da história da UFBA