quarta-feira, 28 de março de 2018

o caçador


Salve galera!

Pela primeira vez, faremos uma resenha que não será dum disco desconhecido ou uma personalidade anônima. Dessa vez, atacaremos de "críticos de desenho animado"...

Sempre afirmamos que muito do que aprendemos tem como fonte a ficção. Tantas lições aprendidas em HQs de super-heróis, principalmente as graphic novels, muitas clássicas, servindo de mote para diversas produções cinematográficas. Mas dessa vez, o universo que temos dado muita atenção é dos animes, os famosos desenhos japoneses.

Nos últimos meses, temos assistido muitos animes, influência de meu querido Eduardo Ariston, além das preciosas dicas do não menos dileto Cláudio Negócio. Desde o psicológico Tokyo Ghoul, passando pelo cômico One Punch Man, o furioso Attack on Titans até o sensacional Fullmetal Alchemist, temos realmente nos deleitado com essa maneira de se pensar histórias, que em geral são abordagens bem diferentes das ocidentais.

Hoje, resenharemos o anime que terminamos de assistir, que foi bastante impactante, com uma história muito bem construída e com uma mensagem muito bacana, das mais significativas de tudo que assistimos até aqui.

Hunter x Hunter é uma produção antiga, lançada primeiro como mangá em 1998, até ganhar sua primeira versão anime em 1999 e uma nova versão revisada e praticamente reformulada em 2011, sendo esta a mais fiel aos quadrinhos. Criado por Yoshihiro Togashi, trata-se dum enredo capaz de prender a atenção do telespectador com tramas que contêm muitos significados. É perceptível o viés filosófico e psicológico da trama, contudo somente um olhar mais arguto pode fazer o telespectador compreender atos e atitudes dos personagens, bem como seus motivos e motivações.

A história inicialmente gira em torno do objetivo de Gon Freecss, que é encontrar Ging Freecss, seu pai, que o deixou ainda bebê aos cuidados duma conhecida enquanto vagava pelo mundo como um hunter (caçador). O encontro não visa estreitar laços parentais e sim entender o que levou seu pai a se tornar um hunter. Ele se pôs essa "missão" aos 12 anos, exatamente a mesma idade em que seu pai resolveu se tornar um caçador. Esses fatos por si só já tornam essa história digna de ser acompanhada: um garoto se torna o que o pai se tornou apenas pra entender o que pode haver de tão especial em ser o que o pai é, a ponto de se dar as costas para o mundo (na verdade nem tanto, pois o que mais acontece é ele conhecer um mundo fora de sua terra-natal) em prol de se viver uma vida dessas. E isso aos 12 anos, realmente chama a atenção bolar um enredo como esse.

Tudo a priori parece se centrar em Gon, porém com o passar do tempo, há uma divisão de protagonismo muito curiosa entre ele e os amigos que ele faz durante a primeira fase do Exame Hunter (para ser um, é preciso se submeter a toda uma série de provas rigorosas, onde se exige desde o talento individual do candidato até sua capacidade de trabalhar em equipe), sobretudo Killua Zoldyck, que se torna seu melhor amigo. Isso por si só já chama a atenção, pois geralmente escolhe-se um personagem e centraliza-se nele tudo e nesse caso temos o caso de um protagonista que não se sobrepõe totalmente em relação aos outros, que têm momentos até mesmo tão ou mais empolgantes que a questão do filho de Ging. Destaque especial para a história da família de Killua, um conhecido (e o mais temido) clã de assassinos do planeta, que no decorrer da saga terá um papel fundamental na trajetória de Gon.

Durante praticamente toda a saga, questões éticas e morais também se apresentam diante de Gon e seus amigos e os demais personagens, mostrando a maneira como eles lidam com o mundo e como esse mesmo mundo responde. Na maioria dos casos, essas questões éticas e morais são bem diferentes das nossas no mundo real, mas fazem todo sentido no contexto em que as situações se apresentam. É o caso dos fatos ocorridos no meio da malta de criminosos Gen'ei Ryodan e, sobretudo, na surpreendente saga das Formigas Quimera. Além das duas supracitadas, são muitas as situações, muitas as tramas que se desenrolam nos 148 episódios desse anime. Todas de alguma forma interligadas, sem que o fio condutor se perca. Foi também uma bela jogada fazer parecer que se tratava de histórias paralelas. Em verdade, quando se entende o que acontece com Gon no decorrer de sua missão, o telespectador percebe a lógica de tudo aquilo.

A própria relação entre os personagens em momentos muito distintos nos mostra como pode ser complicado exercícios de consciência que o tempo todo acontece, principalmente pelo fato de se tratar de crianças entrando num universo praticamente adulto, tendo de amadurecer precocemente, a fim de seguir seus pares. A decisão de se tornar um Hunter é, por si só, um desafio, tanto que quem consegue se tornar um hunter ao fim de todas as avaliações tem uma moral impressionante em qualquer lugar que chega. E no caso específico desses personagens, são personalidades às vezes muito conflitantes entre si, perturbadoras em dados instantes. A tensão dosada no momento certo através dos traços e das falas, traduzindo muito bem as mensagens, também é digna de nota, assim como os momentos descontraídos e bem humorados, o que torna o anime uma seqüência bem balanceada, com bastante ritmo.

Por fim, podemos citar as referências de filosofia oriental, com passagens que lembram ensinamentos das artes marciais e das práticas espiritualistas diversas, certamente comuns em muitos animes; e as noções de cunho psicológico em muitos capítulos, mostrando de forma marcante o que pode acontecer quando as paixões humanas dominam um ser, seja em qual situação for.

No mais, um bom passatempo, não muito recomendável para quem tem menos de 14 anos, não por causa de conteúdo impróprio (a rigor, quanto a isso é até tranqüilo), mas seria mais porque a quantidade de informações contidas é muito variada e complexa para mentalidades ainda não muito bem preparadas para certos conceitos. Seria preciso parar o vídeo em dado momento e explicar certas reações dos personagens, que embora sejam crianças têm comportamento que está além da infância comum. Por outro lado, adultos deveriam assistir Hunter vs Hunter, por conta dessa noção de alcançar um objetivo e tudo aquilo que essa trajetória proporciona. Pois é exatamente isso que acontece a Gon: ele não vive uma vida de aventuras; a vida dele por si só já é uma aventura.