"vamos cuidar das
pessoas"
Falaê galera!
Novamente
estamos aqui com nossas palavras ácidas e bem-humoradas, desta vez para
dissertar sobre um problema que tem causado muito ruído, porém que segue
silenciado por não ter o tratamento adequado pra causar impacto.
Aconteceu nos
primeiros minutos de ontem, domingo 26
de março.
Tínhamos
acabado de chegar de mais um evento popular na CEB Santa Veridiana (por sinal, qualquer hora dessas, falaremos
sobre esse espaço vivo de cultura, onde costumava haver muita coisa bacana).
Descemos do BRT Transoeste e nos
encaminhamos para o ponto da Transcarioca
a fim de retornar ao lar.
Na chegada ao
local, a primeira constatação foi a de sempre: quatro filas muito grandes, todos à espera do ônibus articulado que
seguiria para a Ilha do Fundão no
modo parador. Indagamos a um popular sobre a demora do coletivo apenas para nos
certificarmos de que o cenário não mudara desde a última vez em que estivemos
no terminal Alvorada em janeiro: já
tinha pelo menos meia-hora que nada acontecia naquele local.
Passou-se mais meia hora aproximadamente e a fila
duplicou de tamanho. Até que o articulado comum chegou (comum, porque tem um
modelo estendido desse articulado, cerca de 10 metros a mais). Assim que as
quatro portas se abriram, fomos praticamente empurrados pra dentro do veículo
que em poucos segundos lotou completamente. Com muito custo, as portas foram
fechadas, porém já sabíamos que não seria mais assim porque sendo parador e
tendo demorado tanto para passar, imaginamos como as pessoas conseguiriam
entrar nas demais estações e depois como conseguiriam sair.
O fato é que ao
passar da estação Rio 2, acabamos cochilando, cansados do evento em Santa Cruz.
Acordamos já passando da estação do Ipase, faltando pouco pra saltarmos. Passaram-se
uns vinte minutos talvez no cochilo, mas foi o suficiente para observarmos que
seria impossível passar pelas
pessoas sem empurrá-las. Uma mulher ao nosso lado também saltaria, mas antes de
minha na Capitão Menezes. Interessante que ela não esboçou reação de saltar,
talvez subestimando as pessoas em pé, não sabemos.
Quando o ônibus
chegou à Praça Seca, a mulher mal se levantou direito. E acabou não se mexendo.
Alguns passageiros ficaram irados. Ainda teve quem gritasse "vai
descer!", mas de forma inútil, pois os motoristas do BRT não costumam dar
maior atenção, ainda mais em caso de superlotação. Eles nem ouvem, em verdade...
Tivemos de
avisar à mulher que se ela não forçasse passagem pararia no Fundão. Ela ficou
com aquela cara de quem toma remédio "com gosto ruim" e nem se mexeu.
Resultado: nem nós nem ela, pois ela
não saltou na Capitão Menezes e nós não saltamos na Pinto Teles. Mais uma
mulher e outro homem esbravejaram muito por não terem saltado também e a mulher
continuou como quem não acredita naquilo. Tememos que irrompesse uma confusão
no ônibus, que circulava com as portas todas abertas já que não havia como
fechá-las.
Quando o ônibus
chegou ao Campinho, o que já sabíamos aconteceu. Já tinha gente reclamando
horrores do BRT. E aí não teve jeito: aos
trambolhões, mulheres e homens foram passando como tratores, no desespero de
saltar antes de o ônibus sair - sem ter como fechar as portas, poderia sair
a qualquer momento. Foi nesse lance que conseguimos sair. Fomos os últimos e quase
caindo no vão entre a plataforma e o coletivo, pois sentimos que ele estava
arrancando enquanto pisávamos na estação. Aquela mulher que citamos foi
praticamente expulsa aos empurrões e
aos palavrões sem calão algum, sendo jogada quase de encontro à antepara e
quase foi linchada e pisada pelos mais exaltados que não saltaram na Capitão
Menezes e na Pinto Teles. Felizmente, a turma foi saindo da estação sem
espancar a pobre senhora, porém as reclamações não tiveram fim.
Passado todo
esse sufoco, passou um articulado indo pra Alvorada logo que o outro saiu pro
Fundão e o tomamos pra nossa estação. Eram duas da matina quando finalmente
chegamos onde queríamos.
Tudo isto que
relatamos não soará como novidade para quem está habituado a tomar os ônibus do
BRT aos fins-de-semana, em especial na
transição de sábado para domingo. Sempre é assim: quando o relógio marca meia-noite, vários articulados param e o
intervalo entre carros da Transcarioca varia de meia-hora a 45 minutos. Já
os da Transoeste aparentemente têm um intervalo menor.
A quantidade de
pessoas que fica esperando é tamanha que lotaria dois articulados. Tanto que observamos que muita gente não
conseguiu entrar naquele ônibus e teria de esperar mais uma hora pra poder
seguir viagem.
Observamos
também que havia muita criança de colo
no ônibus em que estávamos. E que no meio daquele tumulto no Campinho uma
mulher desceu com uma menina. Ela só saiu ilesa porque ela já estava perto da porta. Ou seja, embarcou naquelas condições,
sem ter como chegar a uma cadeira e foi certamente amparada por quem estava na
porta. Olha o perigo que ela passou com a petiz! E se a confusão gerada pela
mulher que comentamos fosse naquela porta onde a jovem mãe estava?...
Dessa vez não
aconteceu, contudo quando estivemos certa ocasião numa situação dessa na Alvorada,
teve tumulto e foram uns 10 ou 15 no Controle do BRT a fim de reclamar da falta
de ônibus. Na gare, havia dezenas desses articulados parados, sem nenhum sinal de que seriam utilizados. E quando o
ônibus finalmente chegou, o tumulto foi exatamente o mesmo.
E o que dizer
de tudo isto?
Bom, pra começo
de conversa... Por que não temos mais as
opções de transporte quando o relógio marca 23 horas? Sim prezados e
prezadas, algumas linhas de ônibus começam a minguar antes da meia-noite. Que tipo de estudo foi feito pela Prefeitura
ou pela RioÔnibus, onde se constatou que não
há necessidade de ônibus quando meia-noite se aproxima? Ou ninguém usa
ônibus à noite ou de madrugada?
E o que é pior:
nos bairros cortados pelo BRT, 97% das linhas que circulavam foram cortadas e
as vans e kombis impedidas de trafegar. Portanto, para quem mora nas regiões abrangidas pelo corredor, só há o BRT
praticamente. Porém depois da meia-noite, há um corte drástico na quantidade de veículos – e já está comprovado que
muitas pessoas utilizam os coletivos, tanto quanto durante o dia, talvez até
mais, porque as pessoas querem aproveitar o fim-de-semana para seu merecido
lazer seja na casa de parentes, em parques públicos ou em bairros onde tem
discotecas, boates e outros.
É quase certo
que o cartel de Jacobarata alegará que é por questões de segurança, a violência
urbana, etc. Pode até ser, porém atentamos para o fato de que distúrbios como esses não têm mais hora pra
começar. Vandalismos nas estações do BRT, por exemplo, se tiverem de
acontecer, acontecem a qualquer hora. Assim como assaltos dentro de ônibus (uma
triste e dura realidade que tem aumentado muito na capital e Grande Rio). Já
foi o tempo em que havia "horários perigosos", isso já é fava contada
há tempos.
Observem como o
famoso direito de ir e vir é
vilipendiado. Ônibus só serve para atender a necessidade de trabalhadores que
laboram no horário comercial (nem
pra estudar serve mais, o cartão dos estudantes o tempo todo tem problemas...).
Ou seja, vida noturna e trabalhos à noite e pela madrugada
foram proibidos na cidade e ninguém sabia...
O que na
verdade acontece é que há uma criminosa conivência entre o poder público e o
cartel dos ônibus no Rio. Segundo dados da própria Fetranspor, são cerca de 5
milhões de passagens vendidas por dia, gerando uma receita de 19 milhões de reais. Multiplicando no
mês e no ano, as cifras batem a casa dos bilhões.
Além disso, a profissão de cobrador está praticamente
extinta na cidade, uma linha ou outra ainda mantém esse profissional. Isso
significa menos trabalhadores para
manter, menos custos, encargos, impostos, e mais dinheiro no bolso dos mandatários dos ônibus.
Todavia nada
disto se tornou algo relevante para a mobilidade urbana como um todo, nem para
a própria prestação do serviço. Ao contrário, houve pioras:
1.
Não há
mais agilidade na condução dos coletivos, já que o motorista faz função dupla, tendo de dar troco e
dirigir. E tal fato fez com que o número de motoristas afastados mais que duplicasse nos últimos 5 anos, seja por
conta de acidentes no trânsito, seja
por falta de condições emocionais/psicológicas
pelo stress gerado diariamente.
2.
Com essas mudanças por conta não apenas dos
corredores do BRT como também com a implantação do VLT na zona central do Rio, diversas linhas ou foram abolidas ou
muito modificadas, por causa do impacto no trânsito naquela região, causando
confusão por um bom tempo até que as coisas se ajeitassem satisfatoriamente – o
que ainda não aconteceu.
3.
E no caso especial dos BRTs, ainda tem a questão
das tais "linhas
alimentadoras", que em determinados locais mais matam de fome por
conta duma espera interminável, mesmo durante o dia.
Fora tudo isto,
ainda há outros aspectos como a falta de climatização de TODA A FROTA de ônibus da cidade, uma promessa de campanha do
ex-alcaide que já foi cobrada mesmo pelo Ministério Público. Esse ano 100% do
efetivo deveria estar refrigerado, porém não é o que observamos e não nos parece
que Jacobarata e seus blue caps estão
querendo se mexer quanto a isso. Lembrando
que o valor de R$ 3,80 foi definido com o objetivo de se proceder à aquisição
de ônibus climatizados, porém ainda há linhas que NUNCA tiveram carros com
esse equipamento.
Portanto, o que
relatamos na Terminal Alvorada é também reflexo da própria maneira como a concessão pública de linhas de ônibus é
explorada (não se esqueçam: linha de ônibus é concessão pública como as
autonomias de táxi). O cartel RioÔnibus
é ainda pior que os de Cali e Medellín, na Colômbia, porque trata-se de
algo legalizado, porém pessimamente gerido e sem qualquer tipo de fiscalização
mais rigorosa.
O curioso é que
soubemos à boca pequena que as empresas de ônibus estão recrutando motoristas,
pois esse profissional estaria "em falta no mercado". Ora, e quanto
aos muitos demitidos ao fim da função de cobrador (de quem era exigida a
habilitação D), não poderiam ser
reaproveitados?
E no caso do
BRT, se o problema é a falta de motoristas com CNH E, por que não se capacita os que já dirigem ônibus a fim de que
eles tenham carta pra condução dos articulados? Ah, é verdade, chama-se investimento, e investimento demanda dinheiro, e dinheiro é tudo que esses
malditos querem usar, pra não faltar pros iates, mansões e heranças deste
império...
Pois esses são
os fatos, meus amigos. O problema da mobilidade
urbana foi exposto aqui neste artigo e sabemos que tipo de solução deve ser
aplicada. Porém se o Poder Público não
pressionar o cartel, nada será resolvido. Mesmo o Ministério Público tem de
ser acionado o tempo todo por nós, usuários desse modal que é um dos mais caros
do país em termos de funcionalidade e custo-benefício. Se houve avanços como o bilhete único, os problemas estruturais
seguem a todo vapor. De nada adianta facilitar pra população com esses bilhetes
e o modal permanecer defasado.
Por fim, ou
muda-se esse cenário horroroso ou seremos condenados a essa sensação de estar
como sardinha enlatada. Não é nada sensato esperar um óbito pra que se tome uma providência. E no caso que contamos, nada
garante que a próxima vez não acabará de forma trágica. Pois nós QUASE caímos do ônibus e a mulher QUASE foi espancada. E se a próxima
jovem mãe vir seu bebê cair entre o ônibus e a plataforma e ninguém conseguir segurar o motorista,
faz como? Culpar a RioÔnibus? Espancar o alcaide atual? Pois é, mas nada disso
trará a integridade física dos passageiros de volta. Afinal, em se tratando de seres humanos, perda alguma é
passageira...
EPÍLOGO
Algumas pessoas
na estação do Campinho comentaram sobre a falta de educação de alguns que
ficaram nas portas travando-as, com o ônibus em movimento. Disseram que
"apesar de a prefeitura ter culpa, vandalismo também não resolve, povo sem educação é isso aí".
É evidente que
não somos fãs de quebra-quebra de estações ou de ônibus. Em verdade, é gol contra. Por outro lado, ponderamos o seguinte: será que
essa mesma pessoa que critica nunca imaginou que essas atitudes, neste caso em
especial que descrevemos, estão bem mais para conseqüência que pra causa?
Pra ser mais claro: diante desse quadro caótico no BRT Transcarioca que se
estende há ANOS na Alvorada, como a RioÔnibus
responde a fim de mitigar esse grave problema?
Ora, é muito mais fácil pr'aquela pessoa que
fez aquele comentário dizer que o povo
é que não tem educação. "Porta aberta à força no BRT" é algo que não
deixa dúvidas sobre o que pensar. Só que esse tipo de reação, a nosso juízo, só
expõe a derme, e não a víscera. Trouxe-nos a impressão de que a porta escancarada é muito mais grave que
não ter ônibus, quando na verdade uma
coisa se torna conseqüência direta da outra. Por que o cidadão não praguejou contra Jacobarata e afins? Perguntamos a ele e não tivemos
resposta, exceto um silêncio indiferente.
Nossa reflexão
final é assim: em vez de somente
apedrejarmos quem quebra ônibus e estações, não seria hora de metralhar aqueles
que se utilizam de uma concessão pública para faturar em cima, pessoas que são diretamente responsáveis por essa
situação de trevas que enfrentamos todos os dias na cidade, não importa se no
BRT ou em coletivos comuns? Pois a jovem mãe e sua filha que vimos na estação
não têm que passar um sufoco como aquele. Nem
ela nem ninguém!
Convidamos leitoras
e leitores para pensar nisto.