segunda-feira, 9 de outubro de 2017

precisamos conversar sobre livros


Salve galera!

Após um longo período, eis que surge mais uma malacanews para felicidade geral da nação!
Dessa vez, abordaremos um tema muito especial... Embora já tenhamos dissertado sobre isto noutra ocasião no Facebook, não custa nada novamente abordar este assunto que merece atenção.
Trata-se dos dois livros que nossa casa umbandista, o TEGO (Tempo Espírita Guerreiros de Oxalá), lançou no mês passado e que para nós é um prazer muito grande poder falar deles!
Ambos são biográficos: um, a história do guia-mentor da casa; o outro, as memórias dos malandros que trabalham em nosso terreiro. Histórias que em dado momento se encontram e até mesmo se confundem. Porque todos viveram juntos e intensamente o período terreno e muito tempo depois se reencontraram para dar continuidade àquilo que começaram ainda que sem se darem conta.
Após muito trabalho e dedicação ao longo de dois anos, é com muita satisfação que apresentamos a vocês a segunda edição de Com ponta de sabre e bala de metralhadora: Seu Juninho na Umbanda, um guerreiro de Oxalá e o inédito livro Malandragem, a culpa é da inocência. No primeiro livro, Juninho conta detalhes de sua vida enquanto encarnado e toda sua caminhada espiritual após o desencarne até o dia em que foi designado para trabalhos neste plano através da mediunidade de seu aparelho. Já o segundo livro retrata a trajetória dos futuros malandros enquanto seres "de carne e osso", onde foram rememorados detalhes de sua vida familiar e o momento em que todos se reuniram para construir uma vida em comum.
Mais que contar sobre a conjuntura daquela época, os protagonistas das duas publicações nos contam sobre como viviam, o que pensavam e o que os levou a se reunir. De forma inédita, temos aqui o relato fiel de pessoas comuns que viviam suas vidas cada um a seu modo (uns com mais dificuldades que os outros, é fato) e que repentinamente se viram envolvidos numa causa que sequer sabiam direito de que se tratava. Sentiram na pele as dores, as agruras de uma vida marginal e experimentaram um amadurecimento que sequer sonhavam graças às lutas diárias pela sobrevivência. Por outro lado, mesmo com tantas dificuldades, eles ainda encontraram tempo para sorrir, para se divertir e assim a cada dia estreitar os laços que os levaram a uma amizade tão profunda e duradoura até os dias de hoje.
São, sem sombra de dúvida, abordagens um pouco distintas: se o livro de Juninho soa mais "doutrinário", com ele fornecendo mais detalhes de como é a vida no Astral, o dos malandros é um pouco mais "documental", com ênfase na realidade que a malandragem vivia até o momento de seu desencarne. Contudo, num dado momento, as histórias se cruzam – e isto foi fundamental para o que aconteceria com todos os personagens com o passar dos anos.
Postas essas considerações, diríamos que se trata de duas obras que indubitavelmente se completam porque abordam por inteiro um ciclo de vida terrena e suas conseqüências no plano espiritual. Com efeito, impressiona o modo como o Alto opera e tal constatação serviu para que nós mesmos refletíssemos muito sobre cada detalhe passado nas inúmeras conversas que tivemos nesses dois anos. Nossa percepção acerca da religião, da crença e da fé ficou um pouco melhor e com isso procuramos levar essas lições não apenas para os trabalhos no terreiro, como também para nossa vida cotidiana. E por se tratar de seres que foram "de carne e osso", trata-se de histórias que estão próximas do que qualquer um de nós poderia ter vivido (se é que alguém aqui já não viveu essas coisas...).
Essas duas publicações foram tratadas por nós, escritores, como marcos na literatura umbandista. Trata-se de assuntos da Espiritualidade que trazem algo novo, pois é a primeira vez que teremos como pano de fundo não apenas o Mundo Espiritual pura e simplesmente e tudo que se refere a isto, mas também a cidade do Rio de Janeiro e toda a atmosfera dum período marcante de nossa História: a ditadura militar iniciada na década de 1960. Assim, forçosamente tivemos uma idéia da percepção que alguns cidadãos brasileiros tinham daquele período, se faziam idéia do que se passava e como reagiram ao ter essa noção. É uma abordagem nova, inusitada para os padrões documentais. Fora o comportamento, a cultura e o modus vivendi do carioca médio daquele tempo.
E pra além das questões abordadas nos dois livros, também entendemos durante a elaboração desses títulos (principalmente o dos malandros) que há duas necessidades que precisam ser mencionadas:

A primeira questão é religiosa. Diz respeito à apresentação da umbanda para aqueles que talvez não tenham muitas informações sobre o que exatamente é essa religião anunciada num centro espírita em Niterói em 1908, uma religião genuinamente brasileira. É uma oportunidade de se desfazer diversos equívocos que persistem há tantos anos como quando confundem a umbanda com o candomblé; também propomos o debate dos pontos em que a umbanda e o espiritismo têm em comum e os que os distingue; e assim por diante. Os espíritos que se dispuseram a contar suas histórias também concordaram que esses livros também poderiam ser úteis no sentido de se esclarecer determinados pontos que sempre suscitam dúvidas nas pessoas.

A segunda mirada é política. Está mais ligada ao que estamos vivendo especialmente aqui no Rio. Um momento de perseguição religiosa intensa, de muitos casos de intolerância, vandalismo, agressões e mesmo ameaças de morte por parte de segmentos que nos encara como "concorrente", como se estivéssemos disputando "clientes", ops, fiéis com eles. Sem contar com o fato de que se trata duma religião afro, com todos os elementos que sugerem uma ligação com o continente negro. Em suma, trata-se de uma forma de impedir que se pratique preceitos religiosos sem relação alguma com um cristianismo helenizado. E o discurso de ódio recrudesce a olhos vistos e são incentivados por aqueles que deveriam ser os primeiros a nos defender, que deveriam agir institucionalmente falando em nosso favor, fazendo valer a nossa Constituição.

Nesse sentido, esses dois livros são a forma como resolvemos partir pro enfrentamento contra essas forças que visam nos derrubar por questões que definitivamente não nos interessam. É uma forma de dizer que somos umbandistas e que devemos ser respeitados como qualquer outro religioso. Aqui, juntamo-nos aos coletivos religiosos, aos movimentos progressistas em defesa da liberdade de credo (e de não-credo) e a todos aqueles que defendem o direito constitucional de crer ou não.
Por fim, essa é nossa proposta. Esperamos sinceramente ter conseguido nos fazer entender e que a leitura dos dois livros seja muito prazerosa, da mesma maneira que foi um prazer muito grande para nós termos feito parte deste projeto. Um prazer e um desafio, uma vez que tínhamos de transformar em palavras escritas tudo aquilo que os guias nos ditaram, o mais fielmente possível. Com efeito, agradecemos imensamente a Deus, a nossos orixás e aos guias espirituais pela oportunidade de termos sido instrumentos para essa missão tão especial.
Que esses dois livros cumpram seu objetivo: de fortalecer a umbanda com essa maneira vanguardista de se abordar um tema ao mesmo tempo fascinante e misterioso; e de mostrar às pessoas que umbandista quando levanta sua bandeira não é com o intuito de entrar em guerra com quem quer que seja e sim para que os bons ventos que sopram de Aruanda, a terra abençoada, garantam que esta mesma bandeira que carrega a fé, o amor e a caridade tremule aos olhos de todos para que o respeito possa sempre existir.

Muito obrigado a todas e todos e fiquem com Deus! Axé!!!