EM 1964 FOI A TRAGÉDIA, AGORA É
A FARSA
- Jorge Alexandre Alves -
A tradição bíblica sapiencial
nos afirma que tudo há um tempo. Para a guerra, para a paz, de calar, de falar,
de juntar pedras, de espalhá-las... já o cancioneiro popular chama o tempo de
rei e faz uma prece pela transformação da vida. Mas que tempos são esses onde o
que é certo vira errado, onde o ilegal se traveste de formalismos jurídicos e
onde os ladrões condenam os inocentes? Onde estão aqueles que serão mais
impactados com tudo isso? Será que no dia seguinte à decretação do Estado Novo
ou em 01/04/1964 foi da mesma forma? Estamos diante de uma nova geração que
está “assistindo a tudo, bestializados”?
Os últimos dias foram um convite
a uma reflexão silenciosa para verificar que a hipocrisia, a demagogia e
irracionalidade foram a tônica na política nacional. Foram dias onde, de forma
emblemática, e como nem talvez no suicídio de Vargas ou em Abril de 64 tenham
sido tão explícita, a grande imprensa brasileira se comportou como um partido
político profundamente engajado em seus interesses. É um exemplo tão didático
que no futuro servirá de modelo de estudo para os graduandos em Ciências
Sociais mais interessados em política.
Muito já foi escrito, lido e
falado sobre esse momento trágico da história brasileira. A contribuição que se
pretende dar nestas linhas a respeito do tempo que começamos a viver. E não
podemos ter dúvidas que vivemos o TEMPO DA FARSA.
A farsa de um governo ilegítimo
que se estabelece a partir de um estelionato eleitoral que rasgou o símbolo
maior de um sistema baseado no voto universal. São 54 milhões de pessoas que
tiveram seus títulos eleitorais literalmente rasgados.
A farsa continua no símbolo
escolhido para compor o logo deste novo governo cheio de velhacos da política.
Deseja-se passar uma mensagem de austeridade e de patriotismo com o globo da
bandeira nacional. Ordem e progresso representando uma nova era. Mas
infelizmente muitos devem ter se esquecido das aulas de História onde se
explicou a razão dessa frase. Outros tantos possivelmente não tiveram aulas de
Sociologia para saber que se trata do ideário de uma doutrina elaborada no
século XIX com a pretensão de ser a primeira teoria social. Que seu criador, o
pensador August Comte, a chamara de Positivismo e tal ideário era muito
conservador e avesso a mudanças sociais profundas. Tais ideias estão presentes
na essência da formação militar brasileira até hoje e foi a matriz ideológica
que orientou o movimento republicano que despachou o Pedro II para fora do
país.
Hoje, se o logo do governo Temer
tivesse a vênus platinada (veja figura) no lugar do globo da bandeira, talvez
bastante gente sequer percebesse. E ideologicamente pouca diferença faria.
A farsa se concretizou porque
muita gente, sobretudo nas classes média urbana, afirmava ser a favor do
impeachment de Dilma Rousseff para que se acabasse com a corrupção, como se
trocando o mandatário, imediatamente, de forma mágica (incrível como em pleno
século XXI muita gente adulta ainda crê no pensamento mágico fora da religião,
e o defende com um fervor apavorante!), todos os problemas nacionais se
resolveriam instantaneamente. É um tempo de farsa porque 1/3 do ministério de
Temer é citado na Lava Jato, além do próprio presidente em exercício,
implicado em várias denúncias de corrupção.
Vivemos uma farsa porque
temos um ministério sem mulheres nem negros, como se o Brasil fosse um país
onde as mulheres fossem tão somente “belas, recatadas e do lar”.
Parece que não haverá espaço no poder executivo federal para elas...
Este tempo de farsa se torna
mais escandaloso na medida em que verificamos quem compõe o ministério de
Temer:
·
O filho do Sarney é ministro. Ele mesmo... E do meio-ambiente!
·
José Serra, que quer entregar o Pré-Sal as multinacionais do setor e
sucatear a Petrobrás no Itamaraty;
·
Um ruralista administrador no Ministério da Educação. Ele já prometeu
que vai usar os serviços de consultoria da famigerada Claudia Costin, de triste
lembrança para os professores da cidade do Rio de Janeiro quando secretária
municipal de educação. Para ela, educação é mercadoria e professor uma
engrenagem a mais na linha de montagem de fabricação desse produto.
·
O chefe do Estado Maior do Exército, Sérgio Etchegoyen, como
ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional. O tio dele fora ligado
aos porões do regime militar. Indicado por Denis Lerrer Rosenfield, filósofo de
ultradireita que escreve em jornais conservadores, hoje assessor especial de
Temer. O objetivo dessa aproximação: Fortalecer aqueles que desejam o retorno
de um órgão parecido com extinto SNI (Serviço Nacional de Informações).
Objetivo: monitorar os que representam o perigo interno de desestabilização do
governo – os movimentos sociais. Como o ministro da reforma agrária do governo
FHC Raul Jungmann volta à pasta agora, dá pra ter uma ideia da perseguição que
poderá ser deflagrada aos movimentos sociais no campo.
·
O ministro da Justiça e da Cidadania, Alexandre de Moraes, foi
Secretário de Segurança Pública de SP. Isso por si só revele o que ele entende
por cidadania. Há alguns dias disse que as manifestações contra o impeachment
foram demonstrações de terrorismo. Mais: autorizou a PM a expulsar estudantes
de uma ocupação escolar na cidade de São Paulo. Para piorar, foi
advogado daquela “singela” facção criminosa paulista, o PCC. O que esperar da
Procuradoria Geral da República e da PF com ele?
E ainda tem ministro que roubou
dinheiro da merenda em Alagoas, que recebeu propina da OAS... E aí, você que
vestiu verde-amarelo e foi desfilar sua indignação contra a corrupção na
Paulista ou na Atlântica, viu como a corrupção acabou rapidinho com a chegada
do Temer à Presidência (interina) da República?
E a maior das farsas:
parte destes que hoje se locupletam com Temer até outro dia estavam nos
governos petistas. Eram da base aliada em nome da farsa das farsas:
a governabilidade. Irmã siamesa de outra farsa: o falso republicanismo com seus
adversários. Falso porque senão o governo federal teria regulamentado a mídia
(e bastava pegar o modelo norte americano, já que os empresários do ramo adoram
se espelhar no Tio Sam para muitas coisas); executado a dívida da Globo com o
BNDES, cortado as verbas oficiais (estatais e ministérios) de publicidade da
grande imprensa, porque, como disse Frei Betto “não ousou implementar
reformas de estruturas, como a política, a tributária e a agrária. (...) Formou
uma nação de consumidores(...) mas não se empenhou na alfabetização política da
nação nem na democratização da mídia”.
Enfim, viveremos tempos
de farsa porque em nome da tranquilidade dos mercados, do
desenvolvimento e da segurança dos contratos romperemos nosso combalido contrato
social com políticas econômicas que punirão os trabalhadores em nome da
estabilidade financeira.
Quando aqueles que saíram da
miséria nesta última década se verem impedidos de realizar seus sonhos de
consumo; quando segmentos da classe média tiverem seu poder de compra achatado,
quando os corruptos do PMDB forem réus confessos permanecerem impunes; quando
muitos dos que hoje aplaudem a saída de Dilma ou ignoram tudo o que está
acontecendo... Enfim quando todos estes se derem conta da farsa em
que vivemos a partir de hoje, talvez novamente entraremos em tempos trágicos...
Quem da MPB nos fará canções de protesto que alimentem nossa esperança
por mudanças
Aliás, restará tempo para
mudanças?