uma reflexão pra fechar essa semana de
horrores
Fala moçada!
Nós já tínhamos
chamado a atenção desse lance no começo dessa semana em nossa timeline, porém depois duma matéria que
acabamos de assistir, resolvemos fechar a semana falando sobre o tema. Julgamos
ser importante falar disto porque diz muito sobre como a informação pode ser transmitida às pessoas e de que maneira
ela pode realmente causar algum impacto nelas.
Acabamos de
assistir numa página de Facebook uma matéria veiculada pela TV Record dando conta de uma mulher que
foi vítima de agressão por parte de seu ex-namorado, um policial que não
aceitou o fim do relacionamento. O cretino (de nome Danilo) já tinha sido
notificado pela Justiça antes porque já vinha agredindo a moça (de nome Cíntia)
seguidamente. Há inclusive uma determinação judicial de que ele deve manter
distância da ex. Entretanto, se valendo
da força de sua farda, Danilo agrediu Cíntia à luz do dia, sem ter noção de
que havia uma câmera filmando o momento exato em que procedia seu ato covarde. O
policial ainda tentou impedir a ex de se afastar dele, ameaçando-a de morte se
ela visse a ter outro namorado, até que ela conseguiu chamar atenção duma
patrulhinha. Só que o evidente corporativismo falou mais alto e de forma nojenta: o policial da patrulhinha até cumprimentou
o cretino e o levou do local, sendo liberado a seguir sem maiores entraves.
A matéria acabou assim. O caso ocorreu no estado de São Paulo.
A notícia em si
já é um horror por se tratar de mais
um caso bizarro de machismo. No
entanto, a maneira com a Record tratou o assunto conseguiu nos indignar tanto
quanto a brutalidade do machão fardado. Pois o momento da agressão flagrado
pela câmera foi transformado em uma imagem GIF
e a cena se repetiu oito vezes em apenas
um minuto de matéria, bem ao estilo dos memes humorísticos das redes sociais. Sim, nós
contamos. Pior: a menos que o pessoal da página do Facebook tenha marcado
toca na divulgação do absurdo, percebemos que a emissora se preocupou tanto com esse gif nauseabundo feito com a
imagem de Cíntia sendo agredida que a matéria ficou inconclusiva: Afinal, o
patife foi novamente denunciado ou não? Foi preso ou não? A mulher agredida foi levada a sério por alguém
ou não?
Concluímos com
isso que foi péssimo o modo sensacionalista como a emissora tratou
um tema tão delicado. E não é de hoje que a Record reduz matérias em gifs que
em nada contribuem para o
entendimento de qualquer reportagem, retirando toda a importância daquilo que pretende noticiar. Todos os telejornais da emissora têm isso. TODOS. Como se realmente houvesse a necessidade de se insistir
tanto com uma imagem que por si só já é lamentável.
Ora, pra que
ficar repetindo ad nauseam cenas como
aquela daquele jeito? Que necessidade há de se martelar aquilo? Por que não focar também (e mais) nos
fatos e estender a reportagem com informações de relevância e outras imagens que pudessem trazer
alguma luz para o problema da moça agredida? Seria muito mais importante ouvir
o delegado que recebeu a primeira denúncia, a advogada da vítima e do cretino, enfim,
abastecer o telespectador de informações
sobre o caso. Até mesmo fazer referência a outros similares. Parece até que está dando a notícia "por dar", com má
vontade. Ou pior: que não tem capacidade
para realmente tratar do assunto.
O departamento
de jornalismo da Record trabalha de forma muito tosca a informação. Se bem que não é exclusividade dela: todas as emissoras que valorizam o sensacionalismo barato (em muitos
casos, o que há de pior no
mundo-cão) procedem dessa maneira. E é exatamente por essas e outras que ninguém leva a sério essas emissoras.
Ainda que haja programas voltados para a galhofa,
temos certeza de que algo como o que
aconteceu com Cíntia não deve ter um tratamento tão grotesco quanto esse:
vir sua denúncia ser "gificada" com imagens repetidas oito vezes em um minuto, num esvaziamento de conteúdo nauseante.
São casos como
esse com estamos analisando que confirmam uma das críticas mais recorrentes nos
últimos tempos: o jornalismo brasileiro caminha
a passos largos para a total decadência. Credibilidade zero. Não apenas pela manipulação da
informação, atendendo a interesses quando pensamos especialmente nas notícias políticas, como
também os recursos para se chamar a atenção para os fatos que devem ser
divulgados. Se por um lado percebemos certa leifertização no que respeita à apresentação das matérias (e isso
não somente em telejornais), por outro a datenização
dos fatos virou regra quando o assunto é atingir certa parcela da população com
um tipo de telejornal pensado para ela. Como se essas pessoas não pudessem ser
atingidas com notícias sem que se precisasse utilizar recursos tão patéticos
como o que descrevemos. Transformar uma imagem que retrata um crime como o
descrito por nós num GIF, um formato que se utiliza muito para motivos humorísticos? Isso é ter responsabilidade como a informação? É nisso que o jornalismo está se resumindo? E quem realmente acaba pagando o pato é aquela que se dedica em preparar reportagem com todo um cuidado, um tato, e que tudo que não quer é ser mal-compreendido ou abrir brecha para ambiguidades.
Fechamos nossa
missiva com essa reflexão. Nunca nos esqueçamos que os canais de TV são concessões públicas, ou seja, há o erário nisto. E nem se trata de cercear
a liberdade de expressão, como alguns que leram até aqui podem pensar. É simplesmente respeitar o telespectador no
trato com os fatos, dando um tratamento condizente às matérias veiculadas,
ainda mais em se tratando do que descrevemos. Aquela moça foi vítima do
machismo cruel de seu ex-namorado e do machismo corporativista do policial que
o ajudou o canalha a se safar. Portanto, foi duas vezes vítima. Motivo
mais que suficiente para a Record tratar o assunto com seriedade. Afinal, nem
tudo dá pra datenizar. Se é que alguma notícia
tem que ser datenizada...
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