sexta-feira, 13 de maio de 2016

EM 1964 FOI A TRAGÉDIA, AGORA É A FARSA

EM 1964 FOI A TRAGÉDIA, AGORA É A FARSA
- Jorge Alexandre Alves -


A tradição bíblica sapiencial nos afirma que tudo há um tempo. Para a guerra, para a paz, de calar, de falar, de juntar pedras, de espalhá-las... já o cancioneiro popular chama o tempo de rei e faz uma prece pela transformação da vida. Mas que tempos são esses onde o que é certo vira errado, onde o ilegal se traveste de formalismos jurídicos e onde os ladrões condenam os inocentes? Onde estão aqueles que serão mais impactados com tudo isso? Será que no dia seguinte à decretação do Estado Novo ou em 01/04/1964 foi da mesma forma? Estamos diante de uma nova geração que está “assistindo a tudo, bestializados”?
Os últimos dias foram um convite a uma reflexão silenciosa para verificar que a hipocrisia, a demagogia e irracionalidade foram a tônica na política nacional. Foram dias onde, de forma emblemática, e como nem talvez no suicídio de Vargas ou em Abril de 64 tenham sido tão explícita, a grande imprensa brasileira se comportou como um partido político profundamente engajado em seus interesses. É um exemplo tão didático que no futuro servirá de modelo de estudo para os graduandos em Ciências Sociais mais interessados em política.
Muito já foi escrito, lido e falado sobre esse momento trágico da história brasileira. A contribuição que se pretende dar nestas linhas a respeito do tempo que começamos a viver. E não podemos ter dúvidas que vivemos o TEMPO DA FARSA.
A farsa de um governo ilegítimo que se estabelece a partir de um estelionato eleitoral que rasgou o símbolo maior de um sistema baseado no voto universal. São 54 milhões de pessoas que tiveram seus títulos eleitorais literalmente rasgados.
A farsa continua no símbolo escolhido para compor o logo deste novo governo cheio de velhacos da política. Deseja-se passar uma mensagem de austeridade e de patriotismo com o globo da bandeira nacional. Ordem e progresso representando uma nova era. Mas infelizmente muitos devem ter se esquecido das aulas de História onde se explicou a razão dessa frase. Outros tantos possivelmente não tiveram aulas de Sociologia para saber que se trata do ideário de uma doutrina elaborada no século XIX com a pretensão de ser a primeira teoria social. Que seu criador, o pensador August Comte, a chamara de Positivismo e tal ideário era muito conservador e avesso a mudanças sociais profundas. Tais ideias estão presentes na essência da formação militar brasileira até hoje e foi a matriz ideológica que orientou o movimento republicano que despachou o Pedro II para fora do país.

Hoje, se o logo do governo Temer tivesse a vênus platinada (veja figura) no lugar do globo da bandeira, talvez bastante gente sequer percebesse. E ideologicamente pouca diferença faria.


A farsa se concretizou porque muita gente, sobretudo nas classes média urbana, afirmava ser a favor do impeachment de Dilma Rousseff para que se acabasse com a corrupção, como se trocando o mandatário, imediatamente, de forma mágica (incrível como em pleno século XXI muita gente adulta ainda crê no pensamento mágico fora da religião, e o defende com um fervor apavorante!), todos os problemas nacionais se resolveriam instantaneamente. É um tempo de farsa porque 1/3 do ministério de Temer é citado na Lava Jato, além do próprio presidente em exercício, implicado em várias denúncias de corrupção.
Vivemos uma farsa porque temos um ministério sem mulheres nem negros, como se o Brasil fosse um país onde as mulheres fossem tão somente “belas, recatadas e do lar”. Parece que não haverá espaço no poder executivo federal para elas...
Este tempo de farsa se torna mais escandaloso na medida em que verificamos quem compõe o ministério de Temer:
·         O filho do Sarney é ministro. Ele mesmo... E do meio-ambiente!
·         José Serra, que quer entregar o Pré-Sal as multinacionais do setor e sucatear a Petrobrás no Itamaraty;
·         Um ruralista administrador no Ministério da Educação. Ele já prometeu que vai usar os serviços de consultoria da famigerada Claudia Costin, de triste lembrança para os professores da cidade do Rio de Janeiro quando secretária municipal de educação. Para ela, educação é mercadoria e professor uma engrenagem a mais na linha de montagem de fabricação desse produto.
·         O chefe do Estado Maior do Exército, Sérgio Etchegoyen, como ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional. O tio dele fora ligado aos porões do regime militar. Indicado por Denis Lerrer Rosenfield, filósofo de ultradireita que escreve em jornais conservadores, hoje assessor especial de Temer. O objetivo dessa aproximação: Fortalecer aqueles que desejam o retorno de um órgão parecido com extinto SNI (Serviço Nacional de Informações). Objetivo: monitorar os que representam o perigo interno de desestabilização do governo – os movimentos sociais. Como o ministro da reforma agrária do governo FHC Raul Jungmann volta à pasta agora, dá pra ter uma ideia da perseguição que poderá ser deflagrada aos movimentos sociais no campo.
·         O ministro da Justiça e da Cidadania, Alexandre de Moraes, foi Secretário de Segurança Pública de SP. Isso por si só revele o que ele entende por cidadania. Há alguns dias disse que as manifestações contra o impeachment foram demonstrações de terrorismo. Mais: autorizou a PM a expulsar estudantes de uma ocupação escolar na cidade de São Paulo.  Para piorar, foi advogado daquela “singela” facção criminosa paulista, o PCC. O que esperar da Procuradoria Geral da República e da PF com ele?

E ainda tem ministro que roubou dinheiro da merenda em Alagoas, que recebeu propina da OAS... E aí, você que vestiu verde-amarelo e foi desfilar sua indignação contra a corrupção na Paulista ou na Atlântica, viu como a corrupção acabou rapidinho com a chegada do Temer à Presidência (interina) da República?
a maior das farsas: parte destes que hoje se locupletam com Temer até outro dia estavam nos governos petistas. Eram da base aliada em nome da farsa das farsas: a governabilidade. Irmã siamesa de outra farsa: o falso republicanismo com seus adversários. Falso porque senão o governo federal teria regulamentado a mídia (e bastava pegar o modelo norte americano, já que os empresários do ramo adoram se espelhar no Tio Sam para muitas coisas); executado a dívida da Globo com o BNDES, cortado as verbas oficiais (estatais e ministérios) de publicidade da grande imprensa, porque, como disse Frei Betto “não ousou implementar reformas de estruturas, como a política, a tributária e a agrária. (...) Formou uma nação de consumidores(...) mas não se empenhou na alfabetização política da nação nem na democratização da mídia”.
Enfim, viveremos tempos de farsa porque em nome da tranquilidade dos mercados, do desenvolvimento e da segurança dos contratos romperemos nosso combalido contrato social com políticas econômicas que punirão os trabalhadores em nome da estabilidade financeira.
Quando aqueles que saíram da miséria nesta última década se verem impedidos de realizar seus sonhos de consumo; quando segmentos da classe média tiverem seu poder de compra achatado, quando os corruptos do PMDB forem réus confessos permanecerem impunes; quando muitos dos que hoje aplaudem a saída de Dilma ou ignoram tudo o que está acontecendo... Enfim quando todos estes se derem conta da farsa em que vivemos a partir de hoje, talvez novamente entraremos em tempos trágicos... Quem da MPB nos fará canções de protesto que alimentem  nossa esperança por mudanças
Aliás, restará tempo para mudanças?


5 comentários:

Gustavo Maio disse...

Por que a insistência em afirmar que quem apoiou o sepultamento do PT deseja este PMDB que está aí?

São 54 milhões de traídos. Uns esclarecidos, outros nem tanto que sequer puderam entender o tamanho da traição petista.

A classe trabalhadora "coxinha" está sendo punida há 13 anos.

Gustavo Maio disse...

Outro detalhe: por que atribuir aos outros (Rede Globo) a culpa por uma gestão administrativa incompetente?

A psicanálise nos ensina uma coisa muito simples: o primeiro passo para a desconstrução está no reconhecimento de seus próprios erros.

Reconhecer os próprios erros exorciza. Liberta. E nos coloca diante de uma nova trilha. Poria o PT diante da possibilidade de voltar ao poder de uma forma redentora.

Mas isso é romance. A utopia de Marx... Da qual o PT insiste em manter-se distante.

Gustavo Maio disse...

E a classe média vêm sendo contínua e ininterruptamente achatada desde 1994...

Raphael disse...

Excelente definição: vivemos tempos de farsa.

Unknown disse...

Eis que, contrariando prognósticos, a Rede Globo veicula matéria jornalística tendo como pauta não só a continuidade da operação "Lava Jato" como também a exoneração de um Ministro de Estado do governo Temer...