No dia seguinte ao
encerramento dos Jogos Olímpicos, as manchetes e reportagens da grande mídia
saúdam a nossa cerimônia de encerramento e enaltecem a boa repercussão
internacional da festa. Timidamente alguns veículos de imprensa sinalizam que o
"Time Brasil" (nome oficial da delegação brasileira nos jogos) não
atingiu as pretensões do Comitê Olímpico do Brasil – COB. Ao final das
olimpíadas, ficamos com 19 medalhas, duas a mais que os Jogos de Londres –
2012. A maioria dos órgãos de mídia superestima esse dado, dando ênfase
exagerada ao fato deste ser o nosso melhor resultado na história olímpica.
Além disso, o COB desejava
colocar o Time Brasil entre as dez melhores colocações no total de medalhas
obtidas e no ranking por medalhas de ouro conquistadas. Tanto em um como no
outro, nosso resultado foi o 13º lugar. Não muito longe dos resultados obtidos
em cada olimpíada desde Atlanta – 1996, quando ultrapassamos pela primeira vez
a marca das dez medalhas em uma só edição do evento. Sobre o desempenho do
Brasil nos jogos, cabe pensar os resultados em função do investimento feito em
esporte durante cada ciclo olímpico, e compararmos este ciclo olímpico com o
anterior e, se possível, com os demais. Isso se tomarmos como acertada a
decisão de se investir a maior parte dos recursos destinados ao desporto apenas
no chamado alto rendimento.
Aqui encontramos a primeira
dificuldade, o de acessar com exatidão os recursos investidos pelo Estado
Brasileiro e pelo COB e repassados às confederações de cada modalidade.
Pesquisando na internet, tive uma enorme decepção porque não se consegue
localizar nenhum valor de gastos com esporte nacional para as olimpíadas de
Atlanta -1996, Sidney – 2000, e Atenas - 2004. A partir de Pequim, os dados
variam muito. De toda forma, descobri que entre Atlanta e os jogos do Rio, o
volume de recursos arrecadados pelo COB aumentou VINTE vezes, e o governo
federal (seja através das forças armadas, de verbas do Ministério do Esporte ou
das empresas estatais) colocou 200 vezes mais recursos do que os aplicados para
a mesma olimpíada de Atlanta. Se essas parcas informações estiverem corretas,
nosso resultado em termos de medalha foi pífio. Em Atlanta conquistamos 15 medalhas.
Aqui no Rio foram 19 medalhas. Um aumento de 26,6% apenas em um intervalo de 20
anos. No mesmo período os britânicos também saíram das 15 medalhas para 67.
Eles obtiveram um aumento de quase 450% em medalhas conquistadas, no mesmo
período.
Se continuarmos a comparação
com a terra da Rainha, fica explícito o resultado medíocre do Brasil. Aqui,
esses vinte anos olímpicos foram carregados de idas e vindas, oscilando entre
10 (Atenas) e 19 (Rio de Janeiro). Os britânicos tiveram crescimento espetacular,
sempre ascendente, e se tornaram o segundo maior ganhador de medalhas nos jogos
que se encerraram ontem. Se compararmos valores investidos em esporte, a
mediocridade do COB em relação aos resultados é mais evidente ainda. E aqui não
estão contabilizados os gastos com as obras das arenas esportivas. Segundo a
Folha de São Paulo, o Brasil gastou R$ 3,7 bilhões neste ciclo olímpico. Um
custo de R$ 193 milhões por medalha. Os britânicos dedicaram R$ 1,5 bilhão,
abaixo da metade dos R$ 3,7 bilhões do Estado brasileiro. Ganharam 67 medalhas,
onde cada uma delas custou R$ 22,4 milhões.
No ciclo olímpico anterior,
para Londres – 2012, o Brasil alocou R$ 2 bilhões para o esporte e levou 17
medalhas, com um custo de R$ 117 milhões por medalha. Sediando a olimpíada, o
país aumentou em apenas duas medalhas seu desempenho. De Helsinque - 1952 até
hoje, foi o pior resultado de um país sede em termos de medalhas quando
compararmos o desempenho deste mesmo país nos jogos imediatamente anteriores.
Cabe dizer que não podemos
cair na armadilha perigosa de culpabilizar atletas, treinadores ou seleções
olímpicas. Resultados em esporte de alto rendimento não dependem apenas dos
esforços pessoais daqueles que disputam as provas nas mais diferentes
modalidades. O sucesso depende fundamentalmente de uma política esportiva e de
opções corretas na gestão do esporte e dos recursos a ele alocados. E nem
podemos, sob o risco de cairmos em um simplismo sectário que pouco colabora
para o debate, achar também que a culpa é dos torcedores e da população em
geral por festejar cada resultado conquistado por nossos atletas.
É grave que tenhamos
aumentado os recursos em esporte em 85% entre Londres e o Rio e aumentamos
nossa presença no pódio em apenas 13,4%. Mais grave se considerarmos que hoje,
diferente de 20 anos atrás, não faltam recursos e mesmo assim gastamos muito
mais que o dobro quando comparamos com verdadeiras potências olímpicas como o
Reino Unido, Canadá e Austrália. Em Tóquio - 2020, o desempenho japonês deixará
mais evidente que aqui no Brasil fizemos uma gestão muito temerária desses
recursos. Para completar, é gravíssimo que todos esses recursos tenham sido
investidos basicamente em esporte de alto rendimento ao invés de se investir na
prática desportiva como política social, como política pública para juventude,
e como prática de formação cidadã a partir do desporto escolar.
Seria possível ou mais
eficiente ou ainda melhor para a sociedade brasileira fazer diferente? Se
achamos que sim, é preciso concluir que foi equivocada a opção feita a partir
1996 e sobretudo nos dois últimos ciclos olímpicos pelo COB. Para melhor
entendermos isso, será necessário verificar as causas e os responsáveis diretos
por essas opções infelizes.
Sobre os responsáveis do
ponto de vista esportivo, precisamos começar por aqueles que controlam o COB há
mais de duas décadas. Seu presidente, Carlos Arthur Nuzman, não se cansa de
enaltecer os jogos como se fosse os melhores da história e de cinicamente
comemorar os resultados esportivos. O cartola foi dirigente por duas décadas da
Confederação Brasileira de Voleibol (CBV). A ele se credita o fato de ter
alçado a modalidade para o 2º lugar na preferência esportiva nacional. E de ter
estabelecido os fundamentos que transformaram nosso vôlei numa potência mundial
a partir da chamada "Geração de Prata", vice-campeã olímpica e
mundial nos anos 80. Mas o sucesso não significou aumento significativo no
número de praticantes e se deu através de patrocínios que transformaram equipes
locais de vôlei em franquias. Além disso, em 2014 viram a público
irregularidades graves (superfaturamento, caixa-dois) envolvendo dirigentes da
CBV. Todos eles ligados a Nuzman. Se for puxada uma linha do tempo dos esquemas
irregulares, será que eles não remontam aos anos 80 e 90? Mesmo assim, nada foi
feito de mais grave hoje, ele já articula sua reeleição para mais um mandato de
4 anos à frente do COB. Suas declarações são controvertidas porque afirma não
receber salário (alegar ter suas "fontes de renda") e não considera
investimentos e patrocínio estatal como uso de dinheiro público.
Seu lugar-tenente, Marcos
Vinícius Freire, ex-jogador de vôlei medalhista em Los Angeles – 1984, é
diretor esportivo do COB. Foi um dos mentores e principal gestor desse modelo
de resultados esportivos de pouca robustez. Ele e Nuzman protagonizaram
situações pouco condizentes com os chamados valores olímpicos ao longo desses
21 anos de hegemonia do esporte olímpico brasileiro. Nesse aspecto, a gestão do
COB em muito se parece com o que se faz na CBF e na FIFA, cujo principal
mandatário no século XX, João Havelange, era muito próximo a Nuzman que acabou
reproduzindo o mesmo modelo de gestão baseado nas amizades e em contratos pouco
transparentes que às vezes vem à tona e revelam coisas no mínimo, suspeitas. Em
2004, a delegação usou uniformes desenhados por uma estilista contratada pelo
comitê olímpico. A senhora em questão era sua cunhada. Em 2007, a empresa
responsável pela emissão dos tickets para as competições era de um empresário
que mantinha sociedade em outra atividade com Marcos Freire. Nos jogos de 2016,
a empresa responsável pelas lojas de alimentação nas praças de competição
pertence ao herdeiro e neto do dono da construtora (Odebrecht) responsável pela
maior parte das obras de construção das arenas esportivas do Parque Olímpico e
de Deodoro.
Lamentavelmente, são minoritárias
as vozes na grande mídia brasileira que realizam um debate mais crítico e
qualificado a respeito. Questões mais profundas a respeito do legado esportivo
desses jogos olímpicos não são levadas à pauta pela imprensa. Ao contrário, boa
parte da cobertura se atém ao desempenho esportivo dos atletas em si mesmo. E
mesmo assim em uma perspectiva que enxerga o esporte como mercadoria cultural
de grande valor comercial, transformando-o numa fábrica de emoções para
sensibilizar a população.
O Rio de Janeiro foi
anunciado como sede dos Jogos de 2016 há sete anos. Naquela época uma parcela
(de maior consciência crítica) da crônica esportiva, estudiosos em gestão do
esporte, intelectuais e ex-atletas sinalizaram que teríamos uma grande
oportunidade para transformar o país em potência olímpica, disseminando a
prática desportiva como elemento formação cidadã e de integração das pessoas, a
começar por crianças e adolescentes. No entanto, mais preocupados com aspectos
comerciais de natureza duvidosa, o COB optou por outro caminho, menos
transparente e de muito menor impacto social.
As autoridades em plano
federal se associaram a essa opção pela sede de resultados rápidos em curto
prazo que pudessem ser capitalizados do ponto de vista político. Os governos
estadual e municipal do Rio de Janeiro perceberam isso e tornaram a promoção
dos chamados megaeventos o pilar de suas administrações. Inauguraram um modelo
de governança pública que enxerga a administração pública como gestão
empresarial e pensam o espaço público, urbano, a partir de um modelo que pode
ser nomeado de cidade-mercadoria.
Talvez isso tudo ajude a
explicar a falta de certa "cultura esportiva" no país, que inclusive
se evidenciou no comportamento da "plateia" em algumas modalidades
pouco frequentadas no Brasil. Mas para além disso, dois aspectos devemos
considerar em nossa análise:
1) Uma das ferramentas para se
massificar o esporte em um país e a divulgação pelos meios de comunicação,
sobretudo a tevê aberta. Quantas competições de natação e de atletismo passaram
nas emissoras de televisão nos últimos anos? Bom lembrar que o vôlei se tornou
a potência que é por causa dos canais de televisão convencionais nos anos 80 e
90 do século passado. Mesmo os canais de esportes da tevê fechada destinam mais
da metade do tempo de sua grade de programação para falar apenas do
futebol. Rádio então nem se fala... Como a televisão no Brasil tem uma
formatação comercial, e a audiência do momento é o que importa, divulgar outros
esportes é um investimento de longo prazo sem certeza de retorno financeiro. E
como não temos um planejamento estratégico das TVs públicas para o esporte, e
as empresas de mídia não acham lucrativo disseminar esportes de baixa
audiência, ficamos na mesma.
2) O Brasil não possui uma
política pública de disseminação da prática desportiva. Tampouco o Comitê
Olímpico Brasileiro (COB) tem essa preocupação. Foi-se o tempo em que se
faltavam recursos ao esporte brasileiro em geral. Na verdade, perdemos enorme
oportunidade em nos tornamos uma potência olímpica desde que fomos anunciados
como sede dos jogos, em outubro de 2009. Tivemos tempo, mas ao invés de se
investir no esporte de base, no desporto como prática de saúde coletiva,
preferiu-se concentrar recursos apenas no chamado esporte de alto rendimento.
Para começar, como podemos alvejar sucesso esportivo se nem nas escolas se
pratica esporte com um mínimo de condição e de seriedade. Em cada dez escolas
públicas brasileiras, S E I S sequer dispõem de uma mísera quadra!
Quantas piscinas e quantas
pistas de atletismo foram construídas no Brasil nos últimos anos? Por que nunca
fomos potência no handebol, já que é o esporte mais praticado nas escolas
brasileiras, quando os colégios têm quadra e professores de Educação Física
formados, é claro?
O resultado está aí. Nem as
suas próprias metas de desempenho nos jogos olímpicos o COB vai atingir (entre
22 e 25 pódios olímpicos e estar entre os dez primeiros países no quadro de
medalhas). Infelizmente, cometeram-se muitos equívocos não só no campo estritamente
esportivo. Se formos discutir política, gestão pública e administração
municipal associados a estas olimpíadas, seria necessário outro textão feito
esse. O olimpismo (sobretudo no Brasil) é um grande negócio travestido de
valores éticos e de uma moral que se encerra quando interesses econômicos
ganham força. Quando tais valores olímpicos aumentam os lucros, ótimo. Quando
não, que se garanta o sucesso financeiro primeiro. O resto fica para segundo
plano.
Em 2020, os jogos serão em
Tóquio, no Japão. Lá talvez possamos ver novamente (chineses e australianos já
nos mostraram antes em 2000 e 2008) o que se deve fazer para se tornar potência
olímpica. E ficarão mais escancarados nossos equívocos esportivos. E ainda
teremos uma medida do quanto a ressaca olímpica atrapalhará nosso desempenho
desportivo. Os recursos destinados aos atletas provavelmente terão enorme
queda. E a maioria das escolas continuará sem ter sequer uma quadra de
esportes... A conferir.
3 comentários:
Excelente reflexão, bicho!
E só pra complementar seu artigo, ao falar e divulgação dos esportes pela mídia esportiva, você me fez lembrar de imediato de Luciano do Valle, também conhecido como "Luciano do Vôlei". Afinal, foi graças à visão de negócios dele que diversos esportes se popularizam e passaram a ter vez na televisão, não apenas o supracitado como também o basquete, as fórmulas Indy e Truck, o boxe amador e até o bilhar. A Bandeirantes foi por anos a fio o canal do esporte, tomando a audiência dos rivais aos domingos. Sem contar com outras transmissões como o futebol dos Estados e os campeonatos europeus. Méritos totais ao falecido narrador que teve o feeling de enxergar potencial midiático nesses esportes.
Mestre Jeferson, salve!!!
Concordo com toda a explanação do professor Jorge Alexandre, em especial na abordagem de gestão de recursos do esporte ao longo do período de preparação para os Jogos. Como sempre o que farei são adendos, que espero acrescentem ao debate:
- Qual era o objetivo da exaustiva tentativa de candidatura do Brasil a ter uma cidade como sede dos Jogos Olímpicos modernos (falo de “modernos” porque o elemento da Antiguidade seria hoje visto de forma antropocêntrica, em face do caráter religioso)? Devo lembrar, inicialmente, que diversas nações reconhecidas pelo seu desenvolvimento não tem tradição de (e na “Rio 2016” não tiveram) ótimo desempenho em quadros de olimpíadas (ex: países nórdicos, Suíça, Bélgica, Áustria...) e outros não tão reconhecidas assim o tem e tiveram (Hungria, Jamaica, Croácia, antigas repúblicas soviéticas...). Então podemos ter, a meu ver, um ótimo desenvolvimento como nação ou ótimo desenvolvimento no plano esportivo (OU AINDA AMBOS, QUE ÓTIMO SERIA!!!).
Por essas alternativas (que poderiam e deveriam ocorrer):
* Crescimento e Desenvolvimento do país, a partir da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro? – a Rio 2016 fracassou nesse aspecto. O Rio às vésperas dos Jogos estava sem serviços fundamentais para a população em funcionamento (hospitais, escolas, serviços públicos...), poucas alternativas para vazão de transporte e logística, greves, crise econômica nacional e como se não bastasse, uma situação política instável. Logo quando os poderes deveriam ter se unido contra a corrupção, e em voga de uma estabilização da economia mais comprometida. O que temos agora são múltiplas dívidas locais, possíveis elefantes brancos espalhados pela cidade, ainda crise na segurança, saúde, educação, corredores de transporte duvidosos... e sem lucratividade disso para o Brasil de forma geral, dado que o Rio de Janeiro foi o centro da “festa”, sem maior divulgação das outras praças de turismo (Nordeste, São Paulo e adjacências, mesmo o entorno da cidade...);
* Possibilidade de despontamento como potência olímpica – nesse caso, outro fracasso da Rio 2016. Para tanto, lembro que nosso desempenho de fato não correspondeu ao esperado, mas o que chama a atenção é que as nações que sediam olimpíadas são marcadas por desempenhos não pífios nas olimpíadas anteriores (exemplo, a Grã-Bretanha nas Olimpíadas de Pequim, 2008). O Japão, que sediará as próximas, já ficou entre os top 10 em 2016, o que dirá em 2020!!! Preparação é isso!!! Aprender com as nações vencedoras em esportes coletivos onde não se tem tradição (feito muito bem pelo Mortensen e pelo Ribera no handebol, e pelo Mangano no basquetebol masculino). O problema é que aí esbarramos no calcanhar de Aquiles do esporte brasileiro: a massificação!!! A busca pelos talentos nas escolas, comunidades pobres, divisões de bases de clubes... hoje o Brasil necessita de uma “massificação inteligente”, isso é, investindo firme nos esportes que possam dar retorno a curto prazo (algo similar ao feito pela Grã-Bretanha), mas se tivesse feito o que chamamos de “dever de casa”, poderia estar brigando por mais medalhas (e vencendo!!!) com uma massificação simples.
Uma pena. Tivemos a chance de nos tornar potência olímpica e com um país melhor para nossos filhos, e nos perdemos nos problemas cotidianos do Brasil (RJ incluso): saúde, moral, educação, cultura, investimentos criteriosos... para variar, fizemos espetáculo para os gringos, e o povão... “ficou fora da jogada...”.
Abraços aos mestres!!!
Excelente e muito necessária reflexão. Há uma pergunta interessante: quantas pistas e piscinas foram construídas? Vale lembra que uma pista excelente foi aterrada, junto com centenas de sonhos par a construção de um estacionamento no ex-Maracanã. Assisti a essa selvageria de camarote da UERJ. O esporte só serve a uma coisa no Brasil e que fique claro a reprodução do capital, seja na forma de obras, seja na forma de venda de xampus. O espírito olímpico ou esportivo fica por conta de um ou outro sonhador e em nossas mentes. Um forte abraço a todos, especialmente ao Jorge.
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