quinta-feira, 4 de agosto de 2016

ESCREVER? TORCER? IGNORAR? PROTESTAR?

Dilemas de quem ama esportes, detesta o PMDB e está indignado com a grande mídia

Já faz algum tempo que concluí que se existe uma essência humana, ela responde pelo nome de contradição. Assim, nas precárias linhas que se sucedem, não esperem de mim posições políticas lógicas, mas uma tentativa frouxa de estar na corda bamba entre a crítica, a torcida e as parcas análises esportivas em relação a estas olimpíadas. Fernanda Abreu não poderia ter sido mais feliz na sua definição de cidade do Rio de Janeiro: "purgatório da beleza e do caos". Essa será a máxima desses jogos olímpicos e de tudo o que o envolve. Portanto, leiam meu texto, dialoguem comigo, mas não me exijam coerência. Neste momento me sinto como Adélia prado: "anterior às fronteiras"...
Antes de mais nada, confesso: sou apaixonado por esportes. Gostaria de poder praticar algum com regularidade, mas não consigo. Prometo que vencerei essa barreira. Minha relação como esporte é afetiva. Pensar sobre o esporte é difícil pra mim. Nos jogos olímpicos de Seul e em Sidney alterei meu relógio biológico. Por sorte estava de férias escolares em um e em outro foi recesso escolar. Dormia ao meio-dia para acordar as dez da noite e ver as competições madrugada adentro. Só não fiz isso em 2008 porque o risco de me prejudicar profissionalmente seria muito grande e já estávamos esperando a Isabel. Acho que essa paixão se explica porque quase não podia ver o que queria na infância. Tínhamos um só aparelho de TV e meus pais não me deixavam ver quase nada. No meu caso não foi herança familiar, foi descoberta pessoal, solitária mesmo.
Meu pai nunca entendeu de esportes, não me deixava ver quase nada que não fosse futebol – e desde que não estivesse outra coisa melhor pra ver na opinião dele, achava vôlei, ginástica olímpica e handebol coisa de gay (estou atenuando bastante suas palavras). Só entendia de boxe e de remo, que praticara na juventude. Só pude desfrutar dessa paixão e assistir esportes com mais frequência após me casar. Por outro lado só pratiquei futsal e natação, e poucas vezes estive em um estádio de atletismo. Nunca vi uma partida de vôlei ou de basquete in loco, mesmo sendo louco para tanto. Mas mesmo assim, apenas pela televisão, acompanho e me emociono com várias modalidades, desde pequeno.
Estava colado na TV quando Joaquim Cruz deu aquele "sprint" final em 1984 rumo ao Ouro nos 800m em Los Angeles. Aliás, é difícil entender porque não estamos entre os melhores do mundo numa modalidade tão barata. Vi Aurélio Miguel vencer em Seul-1988, as medalhas do vôlei masculino, me emocionei com as meninas do vôlei feminino, com a final brasileira de Atlanta-1996, com as medalhas do nosso sofrido boxe. As medalhas na natação, o salto dourado de Maureen Maggi no Ninho do Pássaro em Pequim-2008. Fiquei triste em várias derrotas como o refugo de Balobet du Rouet no hipismo, com as doloridas derrotas para Cuba e para a Rússia no vôlei feminino, com as derrotas do nosso Taekwondô, com as quedas de Daiane dos Santos e do Diego Hipólito, com o gol do nigeriano Kanu que nos tirou a chance de disputar uma medalha no futebol em Atlanta. Não dá para esquecer da derrota na prorrogação, com o jogo praticamente ganho, depois de várias chances perdidas, da seleção feminina de futebol... E como não ter ficado p.. da vida com aquele padre maluco que tirou o ouro na maratona do Vanderlei de Lima em Atenas-2004?
Fiquei impactado com o desempenho de gente como o Li Ning, o supercampeão chinês na ginástica olímpica em 1984, o desempenho de Karl Lewis, o assombro dos quenianos nas provas de longa distância no atletismo, e dos jamaicanos nas provas rápidas do mesmo esporte. Aliás, o que foi a prova de Usain Bolt em Pequim? O que dizer de Phelps na natação? O que era aquela giganta russa do vôlei, Gamova? Nos atormentou por quatro anos por aquela derrota trágica em Atenas-2004...
Fiquei emocionado com vários episódios de puro espírito olímpico, como a suíça que chegou ao final da maratona em 1984 se arrastando, o nadador da Guiné que quase se afogou, o campeão chinês Liu Xang que se machucou na largada em seu país e não pode ser campeão diante de sua gente em 2008. São muitas histórias...
Por outro lado, quando a gente vê os custos dessa olimpíada, percebe que o grande legado que esse jogos deixarão é uma mobilidade urbana equivocada que vai onerar o bolso dos trabalhadores que precisam do transporte público. É a privatização de áreas importantes da cidade, como a zona portuária, às custas do erário municipal e dos nossos IPTU's. Dessa forma, não há como esquecer essas coisas todas e ficar muito, mas muito triste mesmo.
Ainda mais quando vemos essa canalha aí do PMDB, essa quadrilha se locupletando disso tudo. E infelizmente não há como não dizer que, para minha tristeza, o PT foi parte disso na maior parte do tempo. Afinal, mesmo levando bola nas costas nas eleições municipais de 2008, o PT apoiou o PMDB de Paes e em 2012 fez o vice-prefeito. Aqui na cidade (e no estado também), O PT lamentavelmente optou em ser correia de transmissão dos interesses de gente da laia de Cabral, Pezão, Picciani e outros não menos palatáveis...
E como um dos sócios dessa festa de uns poucos temos (para não dizer coisa pior) Carlos Arthur Nuzman, que é o presidente do COB. Que transformou o vôlei brasileiro numa potência mundial às custas de falcatruas (como foi aquela confusão do patrocínio de décadas do Banco do Brasil) na CBV e depois no próprio COB. Que fracassou por incompetência e jogou fora a chance que tínhamos de, com as olimpíadas, nos transformarmos em potência olímpica como fizeram China e Austrália recentemente. Optou-se por investir no esporte de alto rendimento ao invés de se desenvolver uma política de disseminação da prática desportiva a partir da educação e das escolas. Na prática, as diferenças entre Nuzman e figuras nefastas do esporte como João Havelange, Marin e Ricardo Teixeira tendem a zero. Aliás, estas são críticas que nem minhas são, mas da própria crônica esportiva séria, que não participa desses jogos na condição de sócio, como fazem os canais de Tv aberta, em especial as organizações Globo. De maneira sórdida, o grupo da família Marinho fez desaparecer dos noticiários locais as mazelas da cidade e do estado, transmitindo para o Brasil todo a sensação de que a cidade virou uma enorme festa.
Agora, "somos todos campeões" e o Rio virou um paraíso de civilidade perdido nos trópicos. Quem está fora do eixo das competições desaparecerá da vida pública e se tornará invisível durante esses dias e talvez o fique assim até o final da campanha para prefeito. Para esses cariocas, não há festa, não há cidadania, nem ingressos para os jogos, a menos que sejam estudantes de escolas ocupadas que funcionarão durante os jogos por birra do governo estadual como público reserva para lotar ginásios e estádios cuja a procura de ingressos não foi satisfatória, que o digam as pessoas que foram desalojadas de suas casas por causa das obras do BRT e as famílias brutalmente removidas da Vila Autódromo e do Canal do Anil... Vi um filme, Olympia, que retrata esses aspectos escusos em nível municipal acerca dos jogos. Vale a pena ver. Aliás, hoje tem uma sessão as 20h no Cine Odeon. Leve o Bernini junto e você não vão se arrepender. Garanto.
Por isso tudo, confesso que fico com um gosto amargo na boca e com certa dor no peito quando penso que aquilo que poderia nossa apoteose esportiva, a cereja de nossa redenção como cidade tolerante e aberta a todos, democrática, acessível, se tornou oportunidade de uns poucos que se locupletam desse modelo de cidade-mercadoria. E que, infelizmente, os megaeventos ajudaram a consolidar no Rio de Janeiro, as custas paradoxalmente de valores como o congraçamento e a paz entre as pessoas, independente de sua crença, sua cor sua orientação sexual, sua religião... Como será a ressaca da cidade após nove anos vivendo em função destes momentos? Por quanto tempo pagaremos o preço da irresponsabilidade de nossos dirigentes, sejam eles políticos ou esportivos?
Apesar disso, como não torcer pelos atletas brasileiros? É justo desejar sua derrota em nome de tudo que já foi denunciado, debatido e escrito? Nem os presos políticos em 1970 conseguiram esse esforço estóico, ainda que tivessem tentado. E mesmo cientes que a ditadura manipularia (como bem o fez) a seu favor o sucesso daquela seleção extraordinária de futebol na Copa do México.
Nem digo pela seleção masculina de futebol (apesar dessa não ser a "selenike de milionários") ou do basquete (onde muitos também são milionários por jogaram na NBA), mas por atletas que carregam uma história de vitória na vida e que, por causa do esporte, se tornaram cidadãos, como Yane Marques e Sarah Menezes. Mulheres, nordestinas de origem humilde. Há dez anos viviam flertando com a miséria. E como não torcer pelo futebol feminino? Ele sofre com a falta de apoio da mesma CBF (casa bandida do futebol) que transformou a seleção masculina em mero produto comercial e lhe retira o outrora enorme capital simbólico que possuía. As moças comandadas por Marta & Cia que tão perto estiveram da glória dourada? Gente como os irmãos Falcão no boxe, medalhistas olímpicos em Londres-2012 que, graças a um heroico projeto social no Morro do Vidigal voltado para o boxe, não caíram na marginalidade. O esporte literalmente salvou suas vidas... Difícil não se emocionar com suas histórias e deixar de torcer pelos seus sucessos...
Assim, depois desse longo prólogo, venho, após muita angústia e dúvida, compartilhar com vocês a minha decisão de escrever textos menores que esse, prometo! – sobre as competições esportivas durante esses jogos.  Será da mesma forma como na Copa de 2014. Talvez fosse melhor ignorar esse jogos, mas não consigo. E se não consigo, é melhor escrever sobre porque me ajuda a racionalizar a emoção e a não me esquecer do altíssimo preço que todos nós pagaremos após passarem essas competições.
E não me cobrem coerência!


3 comentários:

Raphael disse...

Excelente texto. A palavra que resume bem é contradição.
Sempre fui apaixonado por esportes. Sempre aguardei para assistir a cerimônia de abertura dos Jogos.
Dessa vez é diferente, difícil ficar distante do custo social.
Quando a tocha passou na cidade que resido, Macaé, pensei: nossa, que pena não poder levar minha sobrinha para assistir algo que com certeza ficará registrado em sua memória. Não fui... Não poderia ir... Um dia, explico a ela...
Confesso: assistirei a cerimônia de abertura... não torcer pela vaia ao vampiro golpista... assistirei algumas competições... é dificílimo não torcer para alguns atletas... deixar de ver outros fazendo história.... não torcer contra o time de futebol masculino... Impossível não torcer... Impossível também não se indignar...
Contagiado pelo espírito olímpico? Não, não estou.
Preocupado com o custo do "legado"? Sim e muito.
Como disse o autor: não me cobre coerência.

Diogo disse...

Mestre Jeferson, salve!!!

Falaste tanto de "não cobrar coerência", e escreveste palavras de mais pura coerência. Vou pelas partes:

1º Também sou fã de esportes (acaso viste minhas postagens sobre o handebol e sobre as Olimpíadas de Londres, no Ensaio de Mestre?). E sou fã, em especial, do basquetebol e do handebol, por motivos que um dia explicarei. E nesse aspecto, lembro da emoção por trás da cerimônia de abertura, em si lindas, mas que mais passam mensagens que nem sempre os povos são capazes de entender, ou não querem entender. E algumas dessas histórias épicas que só o esporte consegue produzir são marcantes (adorei ver o filho de escravos Jesse Owens dar uma banana para o preconceito, derrotando os atletas pseudoarianos de um carrancudo Hitler). Não há como fugir do esporte para simbolizar a vitória sobre os desígnios totalitários dos senhores do mundo, com seus asseclas e sequazes;

2º Um provérbio árabe de séculos atrás (aprendi do livro o Alquimista, de Paulo Coelho): "uma benção, quando não é aceita, se torna uma maldição!!!". Pensemos: independentes das siglas políticas, que chance que os políticos brasileiros perderam, não? Uma Olimpíada, para dar certo (não importa o país), necessita de uma capacidade de organização, comprometimento e disciplinas que ainda não são inerentes ao nosso povo. Poderíamos ter feito isso? Claro!!! E fizemos? Basta ver os cumprimentos ridículos de cronogramas (em outras nações, os testes de instalações, os ensaios táticos de segurança, etc, teriam de estar prontos um ano antes!!!), a infraestrutura dos serviços públicos, o investimento maciço em esportes e em cultura esportiva nas escolas... Hoje vemos as escolas ainda ocupadas para protestos políticos, não para formar cidadãos pelo esporte. O nosso país poderia e deveria ser potência esportiva mestre, não tem como ir contra essa lógica. E perdemos consecutivamente, desde a escolha do Brasil como sede dos Jogos, todas as chances de nos tornarmos esse tipo de potência. E isso foi uma benção, que se tornará maldição aos poucos (a pocilga por trás da declaração de falência pública do estado é só o começo). Tivemos uma benção em mãos, e jogamos essa benção no lixo...;

3º E finalmente, faço como o mestre fez um dia comigo: não se culpe em torcer contra ou a favor do esporte brasileiro. E mesmo contra a política, que em si é necessária. Torçamos contra a corrupção, contra os desmandos políticos, contra os vendilhões de ocasião, contra a falta de cultura do povo... Esses são os inimigos públicos!!! Torçamos para que nada mais que as competições se dêem, e torçamos ainda (e principalmente!!!) pelo povo brasileiro, o verdadeiro povo, que no fim, de novo... ficou fora da jogada!!!

Aquele abraço, grande mestre!!!

Unknown disse...

Tentarei aproveitar as Olimpíadas ao máximo e espero que seja o maior sucesso apesar de tudo.
Fui ver alguns jogos do Volei de Praia por estar próximo a minha casa. achei os preços um pouco altos para os jogos iniciais (poderiam ser 30 a 50% mais barato).
Infelizmente, o problema dos roubos e da corrupção aconteceriam com ou sem Olimpíadas e, bem ou mal, para resolver os principais problemas do país, será necessário fazer muitas obras de infraestrutura (principalmente de saneamento) que os principais problemas de saúde e emprego estão relacionados a isso.
Mas como investir em Obras se todo o sistema de Obras Públicas está imerso na Corrupção?