Dilemas
de quem ama esportes, detesta o PMDB e está indignado com a grande mídia
Já faz
algum tempo que concluí que se existe uma essência humana, ela responde pelo
nome de contradição. Assim, nas precárias linhas que se sucedem, não esperem de
mim posições políticas lógicas, mas uma tentativa frouxa de estar na corda
bamba entre a crítica, a torcida e as parcas análises esportivas em relação a
estas olimpíadas. Fernanda Abreu não poderia ter sido mais feliz na sua
definição de cidade do Rio de Janeiro: "purgatório da beleza e do caos".
Essa será a máxima desses jogos olímpicos e de tudo o que o envolve. Portanto,
leiam meu texto, dialoguem comigo, mas não me exijam coerência. Neste momento
me sinto como Adélia prado: "anterior às fronteiras"...
Antes de
mais nada, confesso: sou apaixonado por esportes. Gostaria de poder praticar
algum com regularidade, mas não consigo. Prometo que vencerei essa barreira.
Minha relação como esporte é afetiva. Pensar sobre o esporte é difícil pra mim.
Nos jogos olímpicos de Seul e em Sidney alterei meu relógio biológico. Por
sorte estava de férias escolares em um e em outro foi recesso escolar. Dormia
ao meio-dia para acordar as dez da noite e ver as competições madrugada
adentro. Só não fiz isso em 2008 porque o risco de me prejudicar
profissionalmente seria muito grande e já estávamos esperando a Isabel. Acho
que essa paixão se explica porque quase não podia ver o que queria na infância.
Tínhamos um só aparelho de TV e meus pais não me deixavam ver quase nada. No
meu caso não foi herança familiar, foi descoberta pessoal, solitária mesmo.
Meu pai
nunca entendeu de esportes, não me deixava ver quase nada que não fosse futebol
– e desde que não estivesse outra coisa melhor pra ver na opinião dele, achava
vôlei, ginástica olímpica e handebol coisa de gay (estou atenuando bastante
suas palavras). Só entendia de boxe e de remo, que praticara na juventude. Só
pude desfrutar dessa paixão e assistir esportes com mais frequência após me
casar. Por outro lado só pratiquei futsal e natação, e poucas vezes estive em
um estádio de atletismo. Nunca vi uma partida de vôlei ou de basquete in loco,
mesmo sendo louco para tanto. Mas mesmo assim, apenas pela televisão, acompanho
e me emociono com várias modalidades, desde pequeno.
Estava
colado na TV quando Joaquim Cruz deu aquele "sprint" final em 1984
rumo ao Ouro nos 800m em Los Angeles. Aliás, é difícil entender porque não
estamos entre os melhores do mundo numa modalidade tão barata. Vi Aurélio
Miguel vencer em Seul-1988, as medalhas do vôlei masculino, me emocionei com as
meninas do vôlei feminino, com a final brasileira de Atlanta-1996, com as
medalhas do nosso sofrido boxe. As medalhas na natação, o salto dourado de Maureen
Maggi no Ninho do Pássaro em Pequim-2008. Fiquei triste em várias derrotas como
o refugo de Balobet du Rouet no hipismo, com as doloridas derrotas para Cuba e
para a Rússia no vôlei feminino, com as derrotas do nosso Taekwondô, com as
quedas de Daiane dos Santos e do Diego Hipólito, com o gol do nigeriano Kanu
que nos tirou a chance de disputar uma medalha no futebol em Atlanta. Não dá
para esquecer da derrota na prorrogação, com o jogo praticamente ganho, depois
de várias chances perdidas, da seleção feminina de futebol... E como não ter
ficado p.. da vida com aquele padre maluco que tirou o ouro na maratona do
Vanderlei de Lima em Atenas-2004?
Fiquei
impactado com o desempenho de gente como o Li Ning, o supercampeão chinês na
ginástica olímpica em 1984, o desempenho de Karl Lewis, o assombro dos
quenianos nas provas de longa distância no atletismo, e dos jamaicanos nas
provas rápidas do mesmo esporte. Aliás, o que foi a prova de Usain Bolt em
Pequim? O que dizer de Phelps na natação? O que era aquela giganta russa do
vôlei, Gamova? Nos atormentou por quatro anos por aquela derrota trágica em
Atenas-2004...
Fiquei
emocionado com vários episódios de puro espírito olímpico, como a suíça que
chegou ao final da maratona em 1984 se arrastando, o nadador da Guiné que quase
se afogou, o campeão chinês Liu Xang que se machucou na largada em seu país e
não pode ser campeão diante de sua gente em 2008. São muitas histórias...
Por
outro lado, quando a gente vê os custos dessa olimpíada, percebe que o grande
legado que esse jogos deixarão é uma mobilidade urbana equivocada que vai
onerar o bolso dos trabalhadores que precisam do transporte público. É a
privatização de áreas importantes da cidade, como a zona portuária, às custas
do erário municipal e dos nossos IPTU's. Dessa forma, não há como esquecer
essas coisas todas e ficar muito, mas muito triste mesmo.
Ainda
mais quando vemos essa canalha aí do PMDB, essa quadrilha se locupletando disso
tudo. E infelizmente não há como não dizer que, para minha tristeza, o PT foi
parte disso na maior parte do tempo. Afinal, mesmo levando bola nas costas nas
eleições municipais de 2008, o PT apoiou o PMDB de Paes e em 2012 fez o
vice-prefeito. Aqui na cidade (e no estado também), O PT lamentavelmente optou
em ser correia de transmissão dos interesses de gente da laia de Cabral, Pezão,
Picciani e outros não menos palatáveis...
E como
um dos sócios dessa festa de uns poucos temos (para não dizer coisa pior)
Carlos Arthur Nuzman, que é o presidente do COB. Que transformou o vôlei
brasileiro numa potência mundial às custas de falcatruas (como foi aquela
confusão do patrocínio de décadas do Banco do Brasil) na CBV e depois no próprio
COB. Que fracassou por incompetência e jogou fora a chance que tínhamos de, com
as olimpíadas, nos transformarmos em potência olímpica como fizeram China e
Austrália recentemente. Optou-se por investir no esporte de alto rendimento ao
invés de se desenvolver uma política de disseminação da prática desportiva a
partir da educação e das escolas. Na prática, as diferenças entre Nuzman e
figuras nefastas do esporte como João Havelange, Marin e Ricardo Teixeira
tendem a zero. Aliás, estas são críticas que nem minhas são, mas da própria
crônica esportiva séria, que não participa desses jogos na condição de sócio,
como fazem os canais de Tv aberta, em especial as organizações Globo. De
maneira sórdida, o grupo da família Marinho fez desaparecer dos noticiários
locais as mazelas da cidade e do estado, transmitindo para o Brasil todo a
sensação de que a cidade virou uma enorme festa.
Agora,
"somos todos campeões" e o Rio virou um paraíso de civilidade perdido
nos trópicos. Quem está fora do eixo das competições desaparecerá da vida
pública e se tornará invisível durante esses dias e talvez o fique assim até o
final da campanha para prefeito. Para esses cariocas, não há festa, não há
cidadania, nem ingressos para os jogos, a menos que sejam estudantes de escolas
ocupadas que funcionarão durante os jogos por birra do governo estadual como
público reserva para lotar ginásios e estádios cuja a procura de ingressos não
foi satisfatória, que o digam as pessoas que foram desalojadas de suas casas
por causa das obras do BRT e as famílias brutalmente removidas da Vila
Autódromo e do Canal do Anil... Vi um filme, Olympia, que retrata esses
aspectos escusos em nível municipal acerca dos jogos. Vale a pena ver. Aliás,
hoje tem uma sessão as 20h no Cine Odeon. Leve o Bernini junto e você não vão
se arrepender. Garanto.
Por isso
tudo, confesso que fico com um gosto amargo na boca e com certa dor no peito
quando penso que aquilo que poderia nossa apoteose esportiva, a cereja de nossa
redenção como cidade tolerante e aberta a todos, democrática, acessível, se
tornou oportunidade de uns poucos que se locupletam desse modelo de
cidade-mercadoria. E que, infelizmente, os megaeventos ajudaram a consolidar no
Rio de Janeiro, as custas paradoxalmente de valores como o congraçamento e a
paz entre as pessoas, independente de sua crença, sua cor sua orientação
sexual, sua religião... Como será a ressaca da cidade após nove anos vivendo em
função destes momentos? Por quanto tempo pagaremos o preço da
irresponsabilidade de nossos dirigentes, sejam eles políticos ou esportivos?
Apesar
disso, como não torcer pelos atletas brasileiros? É justo desejar sua derrota
em nome de tudo que já foi denunciado, debatido e escrito? Nem os presos
políticos em 1970 conseguiram esse esforço estóico, ainda que tivessem tentado.
E mesmo cientes que a ditadura manipularia (como bem o fez) a seu favor o
sucesso daquela seleção extraordinária de futebol na Copa do México.
Nem digo
pela seleção masculina de futebol (apesar dessa não ser a "selenike de
milionários") ou do basquete (onde muitos também são milionários por
jogaram na NBA), mas por atletas que carregam uma história de vitória na vida e
que, por causa do esporte, se tornaram cidadãos, como Yane Marques e Sarah
Menezes. Mulheres, nordestinas de origem humilde. Há dez anos viviam flertando
com a miséria. E como não torcer pelo futebol feminino? Ele sofre com a falta
de apoio da mesma CBF (casa bandida do futebol) que transformou a seleção
masculina em mero produto comercial e lhe retira o outrora enorme capital
simbólico que possuía. As moças comandadas por Marta & Cia que tão perto
estiveram da glória dourada? Gente como os irmãos Falcão no boxe, medalhistas
olímpicos em Londres-2012 que, graças a um heroico projeto social no Morro do
Vidigal voltado para o boxe, não caíram na marginalidade. O esporte
literalmente salvou suas vidas... Difícil não se emocionar com suas histórias e
deixar de torcer pelos seus sucessos...
Assim,
depois desse longo prólogo, venho, após muita angústia e dúvida, compartilhar
com vocês a minha decisão de escrever textos menores que esse, prometo! – sobre
as competições esportivas durante esses jogos. Será da mesma forma como
na Copa de 2014. Talvez fosse melhor ignorar esse jogos, mas não consigo. E se
não consigo, é melhor escrever sobre porque me ajuda a racionalizar a emoção e
a não me esquecer do altíssimo preço que todos nós pagaremos após passarem
essas competições.
E não me
cobrem coerência!
3 comentários:
Excelente texto. A palavra que resume bem é contradição.
Sempre fui apaixonado por esportes. Sempre aguardei para assistir a cerimônia de abertura dos Jogos.
Dessa vez é diferente, difícil ficar distante do custo social.
Quando a tocha passou na cidade que resido, Macaé, pensei: nossa, que pena não poder levar minha sobrinha para assistir algo que com certeza ficará registrado em sua memória. Não fui... Não poderia ir... Um dia, explico a ela...
Confesso: assistirei a cerimônia de abertura... não torcer pela vaia ao vampiro golpista... assistirei algumas competições... é dificílimo não torcer para alguns atletas... deixar de ver outros fazendo história.... não torcer contra o time de futebol masculino... Impossível não torcer... Impossível também não se indignar...
Contagiado pelo espírito olímpico? Não, não estou.
Preocupado com o custo do "legado"? Sim e muito.
Como disse o autor: não me cobre coerência.
Mestre Jeferson, salve!!!
Falaste tanto de "não cobrar coerência", e escreveste palavras de mais pura coerência. Vou pelas partes:
1º Também sou fã de esportes (acaso viste minhas postagens sobre o handebol e sobre as Olimpíadas de Londres, no Ensaio de Mestre?). E sou fã, em especial, do basquetebol e do handebol, por motivos que um dia explicarei. E nesse aspecto, lembro da emoção por trás da cerimônia de abertura, em si lindas, mas que mais passam mensagens que nem sempre os povos são capazes de entender, ou não querem entender. E algumas dessas histórias épicas que só o esporte consegue produzir são marcantes (adorei ver o filho de escravos Jesse Owens dar uma banana para o preconceito, derrotando os atletas pseudoarianos de um carrancudo Hitler). Não há como fugir do esporte para simbolizar a vitória sobre os desígnios totalitários dos senhores do mundo, com seus asseclas e sequazes;
2º Um provérbio árabe de séculos atrás (aprendi do livro o Alquimista, de Paulo Coelho): "uma benção, quando não é aceita, se torna uma maldição!!!". Pensemos: independentes das siglas políticas, que chance que os políticos brasileiros perderam, não? Uma Olimpíada, para dar certo (não importa o país), necessita de uma capacidade de organização, comprometimento e disciplinas que ainda não são inerentes ao nosso povo. Poderíamos ter feito isso? Claro!!! E fizemos? Basta ver os cumprimentos ridículos de cronogramas (em outras nações, os testes de instalações, os ensaios táticos de segurança, etc, teriam de estar prontos um ano antes!!!), a infraestrutura dos serviços públicos, o investimento maciço em esportes e em cultura esportiva nas escolas... Hoje vemos as escolas ainda ocupadas para protestos políticos, não para formar cidadãos pelo esporte. O nosso país poderia e deveria ser potência esportiva mestre, não tem como ir contra essa lógica. E perdemos consecutivamente, desde a escolha do Brasil como sede dos Jogos, todas as chances de nos tornarmos esse tipo de potência. E isso foi uma benção, que se tornará maldição aos poucos (a pocilga por trás da declaração de falência pública do estado é só o começo). Tivemos uma benção em mãos, e jogamos essa benção no lixo...;
3º E finalmente, faço como o mestre fez um dia comigo: não se culpe em torcer contra ou a favor do esporte brasileiro. E mesmo contra a política, que em si é necessária. Torçamos contra a corrupção, contra os desmandos políticos, contra os vendilhões de ocasião, contra a falta de cultura do povo... Esses são os inimigos públicos!!! Torçamos para que nada mais que as competições se dêem, e torçamos ainda (e principalmente!!!) pelo povo brasileiro, o verdadeiro povo, que no fim, de novo... ficou fora da jogada!!!
Aquele abraço, grande mestre!!!
Tentarei aproveitar as Olimpíadas ao máximo e espero que seja o maior sucesso apesar de tudo.
Fui ver alguns jogos do Volei de Praia por estar próximo a minha casa. achei os preços um pouco altos para os jogos iniciais (poderiam ser 30 a 50% mais barato).
Infelizmente, o problema dos roubos e da corrupção aconteceriam com ou sem Olimpíadas e, bem ou mal, para resolver os principais problemas do país, será necessário fazer muitas obras de infraestrutura (principalmente de saneamento) que os principais problemas de saúde e emprego estão relacionados a isso.
Mas como investir em Obras se todo o sistema de Obras Públicas está imerso na Corrupção?
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