terça-feira, 30 de agosto de 2016

do circo de horrores ao teatro do absurdo

DO CIRCO DOS HORRORES AO TEATRO DO ABSURDO
Jorge Alexandre Alves

Sobre essa farsa sob o nome de impeachment, que até mesmo jornais conservadores como o "The New York Times" e o "Le Monde" admitem ser, no mínimo, uma ruptura com a democracia.
Sobre o estupro de 54 milhões de votos que elegeram Dilma Rousseff em 2014.
Sobre o retrocesso que já se abate sobre a sociedade brasileira. Poderia enumerar um monte deles só na minha área de atuação profissional: A Educação. E nesse caso, o estado do Rio de Janeiro governado pelo PMDB é uma bela amostra grátis do que isso pode representar.
Sobre a patifaria explícita que vemos em cadeia nacional, em que bandidos se arvoram de juízes de uma pessoa honesta.
Sobre a falência do Poder Judiciário, do qual eu já desconfiava há muito. E que hoje eu não tenho a menor crença na sua idoneidade como Poder constituído da República. O império da lei no Brasil é uma construção subjetiva, manipulável conforme o interesse do poderoso de plantão.
Sobre o nefasto papel da grande mídia. Se porta como partido, relata os fatos sem nenhuma isenção e a partir dos seus interesses empresariais. Por isso que chamam a mídia de PIG, o Partido da Imprensa Golpista.
Sobre tudo isso já se argumentou, se debateu, se explicou. Até desenhar, foi desenhado. Mas nada disso entra na cabeça de uma parcela significativa da população. Não insisto mais que é um golpe. É um golpe, mas faz diferença agora que sabemos qual será o resultado final?
Seja porque se confunde oposição com deposição. Porque acham mais importante retirar quem odeia cegamente, de quem se discorda, a qualquer custo do que respeitar a democracia... Será que creem numa democracia de conveniência?
Seja porque não suportam mais direitos e mais consumo dos pobres.
Seja porque o mais importante e voltarmos aos tempos em que cada um sabia qual era o seu devido lugar...
Os argumentos e a razão jurídica nada mais têm a dizer. Aliás desde o início nunca tiveram nada a dizer.
Porque era um julgamento político, e não jurídico.
Pouco importa se existe culpa.
Pouco importa se pedalou ou não.
Pouco importa se é corrupta ou não.
O resultado já era sabido antes de começar a partida. Jogo de cartas marcadas. O importante era legitimar, justificar a prévia condenação.
Ela se enrolou em algumas respostas e sua oratória sempre foi truncada? Sim.
Os governos de Dilma foram péssimos? Sim.
Ela fez em parte muito daquilo que hoje quem se coloca contra essa farsa toda critica? Sim.
Sua base de apoio era composta por aqueles que lhe usurparam o poder? Também.
Mas ela foi eleita por 54 milhões de brasileiros. Não deveria bastar? Na democracia, governo ruins não deveriam ser mudados pela força do voto?
Porém, do Circo dos Horrores de 17 de abril, em que o país conheceu o picadeiro pelo qual desfilaram tristes palhaços que a sociedade mesma elegeu; até o Teatro do Absurdo (encenada por um bando que em nada deixa a dever a Cosa Nostra, mas que por aqui foram eleitos senadores da república) de hoje, o certo era que a condenação de Dilma e seu definitivo impedimento não era mais que a crônica de uma morte anunciada.
Só uma coisa poderia ter impedido isso: uma grande comoção nacional contra essa corja do PMDB, coisa que não aconteceu. E não aconteceu por três motivos:
Não aconteceu porque o PT, apesar dos avanços e das conquistas que melhoraram a vida de milhões de pessoas, promoveu uma economia que minimizou essas melhorias quando a crise chegou, em 2015. Além disso o PT fez vista grossa com a corrupção dos seus aliados. Como disse um amigo querido (e petista): "Isso tudo está acontecendo não somente pelos inúmeros acertos do PT, mas principalmente pelos erros que o PT cometeu".
Apesar da liberdade de investigação.
Apesar da maioria dos petistas serem pessoas honestas.
Não aconteceu porque a denúncia do golpe contagiou apenas a quem tem um mínimo de consciência crítica ou exerce algum tipo de militância. Falamos para nós mesmos. Não podemos deixar as ruas em tão grave momento. Conseguiremos reverter um quadro que a própria razão não conseguiu?
A classe média que foi as ruas com a elite nacional até botou mais gente, mas também não chegou a 5% da população no total. A divisão do país opôs muita gente. Mas essa gente toda não representa nem a décima parte dos brasileiros. Os que mais sofrerão com o desgoverno Temer não tomaram partido. Quando tomarão? Será que farão alguma opção?
Não aconteceu porque o campo progressista, os movimentos sociais, as pessoas com um mínimo de juízo crítico foram incapazes de convencer e contagiar o "povão". Este não pode estar na luta política cotidiana porque em parte não se vê representado nela. Por outro lado não se identificaram também naqueles que estiveram protestando us(urp)ando as cores da bandeira. Ninguém faz protesto junto com o patrão...
Mas também o povão não vai para ato, protesto ou caminhada em dia de semana porque precisa chegar rápido em casa, antes que a "chapa esquente". E porque no dia seguinte começa sua luta mais importante, a pelo pão de cada dia. E nas periferias e morros Brasil afora, a cidadania plena e a Justiça há muito não existem para eles...
Fazemos educação de base, estamos nas periferias, mas não percebemos que precisávamos de um rápido poder de mobilização, incompatível por hora, com o "trabalho de formiguinha" típico da educação popular. Aqui, perdemos a batalha.
Por fim, quando a separação de um casal de jornalistas mobiliza mais gente nas redes sociais que a mais séria, grave e tensa ruptura política dos últimos 30 anos, aí temos um sinal de que muita gente talvez só se dê conta do que vai acontecer quando for muito tarde para voltar atrás...
O que nos resta fazer? Como diria Drummond: "E agora, José?"


Um comentário:

Raphael disse...

Agora é resistir... Juntar os cacos, trocar o motor do avião em pleno voo e principalmente: descobrir onde erramos...