domingo, 7 de agosto de 2016

as OlimPIADAS da contradição

Como tudo neste mundo globalizado pelas forças do deus-mercado, as competições esportivas também se tornaram mercadorias. Valiosas, por sinal. Produtos fabricados pela indústria do entretenimento que, para além aumentar os lucros de políticos e de detentores do capital midiático, de alguma forma, extravasam parte de nossa agressividade e transferem para o plano simbólico nossos ódios e a radicalização das nossas rivalidades identitárias. Isso é fundamental por que ritualizam o conflito, a disputa e a competição. Por isso nos sujeitamos mais facilmente a outras formas de competição mais selvagens, impostas no cotidiano às pessoas pela sociedade de mercado. Em outras palavras, o esporte moderno alivia e faz com que a sobrevivência individual no capitalismo não seja algo absolutamente insano. Produz certa socialização sem a qual certamente retornaríamos à vida selvagem.
Assim, o desporto acabou sublimando parcialmente rivalidades e disputas que antes somente seriam resolvidas pela guerra, pela vendeta e pelo arrivismo. O conflito saiu do plano material e passou – novamente advirto, em parte – para o plano simbólico. Porém, isso também reflete o quanto estamos distantes de uma verdadeira cultura de paz, longe de uma verdadeira civilização global. Apesar do poder simbólico do esporte, a violência e a selvageria com a qual nos defrontamos diariamente mostra que o papel do esporte é mero paliativo, ainda que possa nos emocionar e comover.
Os ideais olímpicos, que foram recriados pelo Barão de Coubertain (paradoxalmente uma mistura de fidalgo com burguês), sem os elementos religiosos das olimpíadas na Antiguidade são diluídos pelos aspectos mercadológicos já descritos. Nessa lógica capitalista, mesmos os aspectos que envolvem o cuidado com a saúde, ou o caráter educativo da prática desportiva ficam em segundo plano. Isso explica porque as olimpíadas acabam por deixar como maior legado um enorme prejuízo às cidades que as sediam.
Um traço que marcará os jogos do Rio, no campo esportivo, é o cenário que emoldura as competições ao ar livre. O remo na Lagoa, com aquela vista e o Corcovado no alto, o vôlei de praia no Leme, na enseada mais famosa do país, e a prova de rua do ciclismo hoje evidenciaram isso. O ciclismo ainda merece menção pelo traçado do seu percurso, entrecortando a Floresta da Tijuca, mostrando ao mundo como mar e montanha estão tão próximos em nossa cidade. A fotografia destas imagens pela TV foi de tirar o fôlego, com paisagens que não costumamos ver com frequência em jogos olímpicos.
Já a organização dos jogos tem feito o Rio passar vergonha. Detectores de metal e portas de Raios X que não funcionam, filas intermináveis para entrar. Fiquei sabendo que a empresa responsável pelos acessos às praças esportivas foi troca agora às vésperas dos jogos. O interesse comercial falou mais alto que conforto do espectador. Essa gente não trata bem nem seus próprios clientes. Em alguns lugares de competição, nem comida tinha para se vender. Resultado: arenas vazias no início das competições, mesmo com todos os ingressos vendidos. E uma chuva de reclamações... Deve ser o jeito PMDB de organizar as coisas. A população, os turistas, a imprensa internacional estão podendo ter uma pequena amostra do que a prefeitura e o governo estadual fazem com servidores e usuários de seus precários serviços... E ainda tem a repressão a qualquer um que se manifeste contra este governo biônico que tomou de assalto o país. Quando penso na ressaca que virá após os jogos...
A festa de abertura foi até simples, curta e bonita. Nada que justifique os arroubos ufanistas de alguns comentaristas esportivos, nada que nos faça esquecer nossas mazelas e acreditar que o espírito olímpico, como em um passe de mágica, fará a nossa redenção. Mas cometeu erros graves porque deu a impressão de que a cidade se resume aos seus pontos turísticos. E bem que Nei Lopes, Elton Medeiros Martinho da Vila ou mesmo Monarco poderiam estar no lugar do esforçado Wilson das Neves... Faltaram menções à Zona Norte, aos subúrbios. O discurso de Nuzman forçou a barra, apelando para valores que sua gestão no COB desconhece. E finalmente, não poderia ser mais significativo que Guga e Hortência fossem os últimos a carregar a tocha olímpica, e que Vanderlei Cordeiro de Lima acendesse a pira olímpica. Merecido e justo para um atleta que teve verdadeiro espírito olímpico, coisa raríssima nos dias de hoje. Ainda bem que Pelé não teve essa honraria. E não fez a menor falta na festa. E ficou evidente a covardia de Temer que nem anunciado foi. Tomou vaia.
No futebol, vivemos o oposto nas primeira partidas dos nossos selecionados olímpicos. A seleção feminina fez seu dever de casa e ganhou com facilidade, vencendo as chinesas por três a zero. No entanto, o escrete apresenta um problema crônico: a ausência de uma armadora. E Marta foi discreta na partida. Além disso, se compararmos com as outras seleções, fica evidente que EUA, Canadá, França e Alemanha estão um nível acima. Nossa seleção pareceu jogar em "slow motion" se comparadas a essas. Porém, na segunda partida o Brasil goleou a Suécia e teve uma atuação mais sólida. Voltou a sofrer com o enorme espaço entre a defesa e o meio de campo, e a suecas perderam dois gols incríveis no começo. Contudo, o Brasil de ontem a noite teve um fator decisivo: Marta. Quando a craque resolve jogar uma parte do que sabe, a seleção se eleva a outro patamar. Por isso goleamos por 5 X 1. Elas se tornaram favoritas ao ouro? Não, estão longe disso. Ainda mais porque a artilheira Cristiane sofreu uma distensão muscular e sua ausência poderá ser sentida. A medalha será bastante difícil.
Já a seleção masculina padeceu na sua estreia, empatando de forma pífia com a África do Sul. Teve muitas chances mas pareceu afoita demais. E procurou Neymar em excesso. Mesmo quando outro jogador estava em melhores condições, a bola era passada para o astro do Barcelona. Renato Augusto pareceu fora de forma, a China não está lhe fazendo bem. Estamos longe de ter um time e falta humildade e capacidade de autoavaliação dos jogadores. Micale cometeu seu primeiro erro ao deixar a braçadeira de capitão com Neymar. A medalha de ouro é possível, mas parece que não é uma barbada.
Infelizmente o Judô não ganhou medalhas. Nossos judocas não eram favoritos dessa vez. Outros estavam melhores. Faltou condição física e técnica. A jovem Sarah Menezes teve uma grande lição hoje. E certamente voltará ao alto do pódio no Japão, em 2020.  Já o vôlei feminino passeou contra a seleção de Camarões. Mas preocupa a contusão da Thaísa, uma craque de bola. Ainda assim, tem todas as condições para ser tricampeã. A dupla masculina de vôlei de praia liderada pelo gigante Alisson venceu sem muitos sustos a dupla canadense. Já as meninas precisaram do tie break para derrotar a boa dupla tcheca. Na esgrima, nossa atleta com sua espada levou o Brasil ao inédito 5º lugar. Faltou um pouco só pra medalha.
Mas a medalha do dia foi prateada e do esporte que nos deus a primeira medalha da nossa história, nos jogos de Antuérpia -1920. Felipe Wu, que até anteontem treinava sem condições em casa e sequer tinha patrocínio (e anda me vêm o prefeito e o Nuzman falar de legado esportivo?), só não levou o ouro por 0,4 pontos. Uma história  de falta de apoio que se repete e talvez sirva para nos fazer entender porque levamos 96 anos para conseguir nossa segunda medalha no tiro esportivo...
E finalmente, o handebol feminino. Sempre estranhei o fato de não sermos uma potência no esporte que é o mais praticado nas escolas brasileiras. Como??? E porque não temos uma liga nacional forte? Todo mundo sabe as regras!!!! Mas no caso feminino o trabalho desenvolvido pelo dinamarquês Morten Soudback é revolucionário! Ele conseguiu montar uma seleção competitiva com as meninas. Elevou o Brasil a condição de potência e por isso já levamos um campeonato mundial. O Brasil deixou de ser zebra e nossas jogadoras jogam nos melhores times do mundo. A história da seleção de handebol é épica, vale a pena procurar um documentário, feito pela ESPN Brasil, e assistir. E hoje, na estreia, as meninas já mandarem muito bem e venceram com propriedade as bicampeãs olímpicas, a Noruega. Pra melhorar, a atual campeã mundial, a Romênia (que nos eliminou no último mundial) perdeu para Angola – zebra de primeira grandeza! E ambas estão no nosso grupo. Esse time brasileiro tem cheiro de medalha. E Soudback merecia uma estátua em praça pública e uma condecoração por serviços prestados ao handebol brasileiro.
Fico devendo basquete feminino e a ginástica masculina. Mas prefiro comentar sobre esses esportes no texto de segunda, junto com natação e após a segunda partida do futebol masculino. Abraços e prometo textos mais curtos daqui para a frente.


4 comentários:

Unknown disse...

Texto muito bom.
Fui neste sábado a noite ver o volei de praia. o horário dos jogos da noite iniciavam as 21:00 e chegues as 20:40 com o ingresso (achando que não teria problemas para entrar). No entanto, me assustei ao ver que a fila para entrar ia da arena até depois do Copacababa Palace (só pra ter idéia, isso seriam quase 500 m de fila). Consegui chegar na arquibancada só depois do final do primeiro jogo.
Não posso afirmar se essa demora foi realmente por conta da organização ou se, por uma coincidencia, todos resolveram entrar no mesmo horário.
Só para concluir..... a arena não estava cheia (creio que 65% de lotação)

Unknown disse...

O Fato de o handbol não ter se tornado, ao meu ver, uma potência olímpica, diz respeito que não é somente massificando que o país obterá desempenhos espetaculares. Lembro-me de campeonatos homéricos no CENSA, colégio que trabalhei em Anchieta, onde as meninas eram muito mais vorazes, provocadoras e determinadas nesta modalidade que seus colegas rapazes em relação ao futebol. O tal legado olímpico não será suficiente no sentido de que ainda temos escolas, em particular as da rede municipal, onde as crianças sequer têm espaço para a aula de educação física básica, quiça preparar as mesmas para, um dia, serem grandes atletas, mas, acima de tudo, que tenham um preparo no seu crecimento enquanto cidadãs capazes de transformar suas revoltas cotidianas em ações eficazes e motivadoras de mudanças em nossa sociedade.

Raphael disse...

tudo que vem acontecendo está me deixando com menos "tesão" com estes jogos... Acho que minha euforia inicial já está passando...
contudo, as disputas estão bacanas... o Brasil não fará boa figura nas disputas, exceto nos esportes "barbada" (vôlei e futebol feminino)... acho que a ressaca chegará mais rápido...
outro ponto que gostaria de destacar é o comportamento do público. as classes mais abastadas vem tendo um comportamento patético... muito grito e pouco espírito esportivo...

Diogo disse...

Mestre, excelentes palavras. Nesse sentido, um chiste para auxílio: no Campeonato Mundial de Handebol Feminino de 2015, disputado na Dinamarca, a Romênia de fato nos eliminou, mas a campeã foi a Noruega. A Romênia terminou em terceiro, ao ser eliminada pela mesma Noruega.

Agora vamos aos pontos:

- O esporte tornou-se a forma de embate mais pacífica para a afirmação dos povos, isso é fato. É uma pena que ainda estejamos nesse estágio do gênero humano, mas talvez seja melhor que mais matanças desenfreadas...;

- Eu confesso que não vejo assim a questão do legado. Ele só é prejuízo SE NÃO SÃO APROVEITADAS AS OPORTUNIDADES QUE AS OLIMPÍADAS TRAZEM!!! Cidades como Seul, Barcelona e Pequim só lucraram (e ainda lucram!!!) com a realização dos Jogos em suas cidades. Agora, países sem cultura esportiva ou organização consciente (caso de Atenas e do próprio Rio de Janeiro) de fato padecem e irão padecer com sua organização;

- Não preciso falar mais da (des)organização desses jogos, beira a vergonha continental... OBS: Se tivesse ido para São Paulo, teríamos visto esse circo de horrores olímpico?;

- Me arrisco a dizer que poderíamos ter ido além: culturas tipicamente brasileiras, que se encontram na terra de São Sebastião foram ignoradas, como a cultura nordestina e a influência das imigrações. O Brasil deveria ter sido apresentado, e não somente o Rio, como o foi em Pequim. E as idealizações misturadas deixaram a cerimônia a meu ver pobre, embora não feia;

- A política brasileira está tão desmoralizada, que não vejo (mesmo!!!) uma autoridade que não fosse falar ali e não fosse vaiada. O Temer foi só a bola da vez, situações questionáveis a parte de sua presença...;

- Prefiro paráfrases simples para falar dos esportes coletivos:

* Futebol: no feminino, uma esperança positiva, no masculino, uma esperança perdida;

* Handebol: ainda necessitando de evolução, mas está no caminho certo. Está aprendendo com quem tem nível de competição, caso do Mortem Souback na seleção feminina;

* Basquetebol: buscando uma renovação com o heróico Magnano no masculino, e padecendo no feminino;

* Vôleibol (de quadra e de praia) - em processo de renovação, em todas as bases;

Quanto aos demais esportes (Judô, Atletismo, etc...) está na dependência de uma massificação do esporte, que é extremamente difícil nessas bases...

Por hora é isso mestre!!! Abraços aos demais...